São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2010

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TRECHO

Se em Patópolis, como em qualquer outra cidade, está em pleno vigor a separação entre animais e seres humanos, seria forçoso concluir que Donald não é propriamente um pato, nem Mickey, um rato, nem Pateta, um cachorro.
São humanos como quaisquer outros de nós, apenas travestidos em animais. Não é impossível, aliás, imaginar em que tipo de bicho se transformariam nossos amigos, nossos parentes, o caixa do banco, o condutor do ônibus, o apresentador de um programa de TV. O rosto pendurado de um velho tio, mostrando o avesso prepucial e cor-de-rosa da pele das pálpebras inferiores, era digno de um sabujo; (...) priminhos recém-nascidos, cobertos de lã branca, eram coelhos convincentes.
Eis que surge a voz de Sartre, coaxando de um café em Saint-Germain-des-Prés: "o homem é uma paixão inútil". Ecoa, como de um sapo calvo em lagoa próxima, a voz de Foucault: "o homem é uma invenção recente": espécie de dobra no discurso, rosto na areia que se desvanece ao contato do mar. Mas que mar? O da História? O da Linguagem? O da Revolução? O da Estrutura? Em qualquer deles naufragamos -para reaparecer, pois tudo é raso, no próximo quadrinho

Extraído de "Patópolis"


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