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São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2003

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Glauber livre

Folha Imagem
O cineasta Glauber Rocha (1939-81), cujo "Di' tem exibições proibidas por sentença judicial de 1981



Tese sustenta que é inválida a proibição do filme "Di", em que Glauber Rocha registra o enterro de Di Cavalcanti


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

No cartaz em papel ofício, uma seta para a direita indica o caminho que leva ao auditório Paulo Emílio Salles Gomes.
A sinalização improvisada é uma cortesia com os visitantes que, não habituados à arquitetura da Escola de Comunicações e Artes da USP, percorreriam seus corredores na manhã daquela quinta (4/9), em busca da atração anunciada: "Di-Glauber: Filme como Funeral Reprodutível".
Trata-se da tese de mestrado desenvolvida pelo advogado José Mauro Gnaspini, 30, com a orientação do professor Rubens Machado e o potencial de provocar consequências muito além do mundo acadêmico.
Gnaspini questiona a validade da decisão judicial que, em 1981, proibiu exibições públicas do filme "Di", no qual o cineasta Glauber Rocha (1939-1981) registra o enterro do artista plástico Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976).
A interdição foi solicitada por Elizabeth Di Cavalcanti, filha do artista -um dos mais célebres modernistas brasileiros-, que considerou profanatória a atitude do cineasta no enterro de seu pai e a obra que dali resultou.
A herdeira de Di Cavalcanti venceu ação em que pedia indenização por danos morais. Segundo Gnaspini, o valor pago pela Embrafilme (co-produtora e distribuidora de "Di") equivaleria hoje a aproximadamente R$ 400 mil.
No filme, de 18 minutos, Glauber mostra imagens do velório de Di (no Museu de Arte Moderna, no Rio) e de seu enterro (no cemitério São João Batista), ao som de sambas nas vozes de Paulinho da Viola e Jorge Ben e de um discurso em que repassa sua relação com o artista, analisa a obra de Di no contexto brasileiro e mundial e narra o que seriam pensamentos além-túmulo: "Di por Di. Sou um gênio, uma glória nacional, não encham o meu saco".
No processo contra "Di", a defesa foi feita pela Embrafilme, que era responsável pela comercialização da obra. Eis aí, segundo Gnaspini, uma falha que torna a sentença de proibição ineficaz.
"Um processo só vale se for regularmente constituído, contra a parte certa", diz o advogado. Gnaspini argumenta que o questionamento sobre "Di" é de ordem moral, questiona o teor da obra, e não uma questão patrimonial (pela qual a Embrafilme poderia responder, como detentora dos direitos de exibição).
Sendo a obra considerada uma extensão da personalidade do artista, a participação do autor seria imprescindível em sua defesa, diz Gnaspini em sua argumentação. "Glauber Rocha foi privado de um bem -sua obra- sem jamais ser ouvido em juízo, não teve direito ao contraditório."
De acordo com o advogado, não é sequer necessária uma nova manifestação da Justiça, declarando nula a sentença. "Você não precisa retirar do mundo jurídico o que nunca entrou", afirma.
Como consequência desse raciocínio, o filme poderia ser exibido, sem que isso significasse desrespeito à lei. "Minha tese não libera o filme, até porque ele nunca esteve proibido. Meu trabalho joga luzes sobre uma questão que ficou obscura", diz Gnaspini.
Na opinião do advogado Marcos Bitelli, especialista em direito da comunicação, "se o diretor não foi chamado a se defender no processo, a rigor, existe um problema de eficácia da sentença".
Bitelli diz que "é possível que os herdeiros de Glauber Rocha coloquem o filme para ser exibido, sem ferir a sentença, porque não foram partes no processo. Mas nada impede que os herdeiros de Di Cavalcanti repitam a ação, com relação à preservação da imagem, da honra ou da intimidade".
"Vamos averiguar a veracidade legal do que atesta a tese", diz João Rocha, filho de Glauber Rocha. Ele diz que a família do cineasta não quer "entrar em atrito com dona Elizabeth [Di Cavalcanti]" nem objetiva ter lucro com eventuais exibições do filme, que ficariam restritas ao circuito não-comercial, de escolas e cineclubes.
"Mas se é direito nosso [exibir o filme], vamos correr atrás dele. Até porque "Di" é um patrimônio cultural, não pertence a nós, mas ao povo brasileiro", diz Rocha.
Carlos Roberto Souza, curador do acervo da Cinemateca Brasileira, onde as cópias do filme estão depositadas, diz que a procuradoria jurídica da instituição está lendo a tese.

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