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São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2003

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MÚSICA

Em sua terceira fase, coleção "Odeon 100 Anos" inclui clássicos da pilantragem e gravação de Elis com Os Borges

Bossa instrumental predomina em nova série

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A série histórica "Odeon 100 Anos", dirigida pelo titã Charles Gavin, prossegue com uma batelada de 30 novas reedições, com predomínio desta vez da seara da bossa nova dos anos 60 e desdobramentos posteriores.
O novo lote de bossa admite raridades instrumentais de Eumir Deodato, Walter Wanderley, Milton Banana Trio e Neco, além de discos dos 70 e 80 de Rosinha de Valença, Hélio Delmiro e Victor Assis Brasil Quarteto. No limite, recupera um LP de jazz instrumental gravado pelo grande cantor Dick Farney em 1959 (leia lista completa em quadro ao lado).
Também pertencem a esse território o híbrido "A Pedida É Samba" (61), de uma Isaura Garcia então casada com o organista Walter Wanderley, o disco coletivo ao vivo "Gemini 5" (65), com Pery Ribeiro, Leny Andrade e Bossa Três, e "Nós", disco de 74 do precursor Johnny Alf.
Duas quase-surpresas saem do esquecimento nesse garimpo: o violonista co-inventor da bossa Luiz Bonfá aparece cantando em voz mansa e agradável por todo o álbum "Recado Novo de Luiz Bonfá" (62); na contramão, o cantor suave Marcos Valle tem resgatado seu único disco orquestral, o estranho "Braziliance!" (67).

Pilantragem
Um dos pontos altos da nova coleção vem de um outro filho da bossa, Wilson Simonal, que tem o "Simonal" de 1970 reeditado pela primeira vez em CD.
Lançado pouco antes dos episódios que culminaram na desgraça definitiva do líder da vertente negra da bossa, "Simonal" flagrava-o desembarcando da pilantragem que lhe havia dado fama e publicidade e mergulhando de cabeça na... contracultura.
Era um assombroso disco de elogio à marginalidade (como em "Moro no Fim da Rua") e de crítica a valores sociais tipo casamento tradicional, com centro nervoso em "Deixa o Mundo e o Sol Entrar", de Marcos e Paulo Sérgio Valle. Um novo Simonal nascia ali, mas foi abatido em pleno vôo.
O diálogo entre pilantragem e contracultura pode ser ouvido na comparação com um disco semi-instrumental de 68 do Som Três, grupo acompanhante de Simonal no som da pilantragem.
"Som Três Show", do trio liderado por Cesar Camargo Mariano, era um festival de fusão entre bossa nova, MPB, suingue festivo, pilantragem e pré-black power. O produtor era Wilson Simonal.
"Doris" (71), da descomunal Doris Monteiro, poderia fechar uma trilogia com os dois anteriores, decupando num só padrão sonoro as marginálias de Noel Rosa, Marcos Valle, Sérgio Sampaio Antonio Carlos & Jocafi e Sidney Miller (no hoje clássico do samba-rock "É Isso Aí").

Nordeste tropicalista
Em terreno experimental oposto ao de Simonal, Valle e Doris, em 72 estreavam em dupla, pela gravadora Copacabana (hoje extinta e incorporada à EMI, que também controla o espólio da Odeon), os pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo.
Diferente de tudo que eles fariam depois, era um disco de herança tropicalista, especialmente porque tinha como orquestrador e regente ninguém menos que Rogério Duprat. É um clássico da música popular brasileira.
Ironicamente, acontecia mais ou menos ao mesmo tempo em que a Odeon dava respiro e folga ao velho samba, colocando Nelson Cavaquinho em estúdio ou revelando Eduardo Gudin e, num disco dividido em dois, Roberto Ribeiro e a então jogadora de basquete e sambista Simone.

Elis & Os Borges
Outro título de que hoje não se fala muito e está no pacote é "Os Borges" (80), que reúne num disco único família central na concepção do clube da esquina de Milton Nascimento.
Como curiosidades para 2003, "Os Borges" inclui participação especial de Elis Regina (em "Outro Cais") e a balada mineira "Voa, Bicho", de Telo e Márcio Borges, que Milton Nascimento regravou em 2002 em companhia de Maria Rita Mariano.
Na sacola de "variados", a coleção se fecha com samba histórico (em CDs de Noel Rosa, Moreira da Silva, Gasolina e Os Cinco Crioulos), baião (Trio Nordestino), pós-jovem guarda (só um disco de 69 da dupla Deny & Dino), samba-rock (um Luis Vagner que inclui o hino "Guitarreiro") e "nova" MPB da virada dos 70 para os 80 (Fátima Guedes).
Por último, "Noite Ilustrada" (76) faz jus à maldição: se até pouco o sambista de "Volta por Cima" não interessava nada, agora que morreu se reedita pela primeira vez alguma coisa de seus melhores anos.
Afora uma ou outra derrapagem, a EMI consolida a liderança que vem desfrutando desde o ano passado no quesito de recuperação de catálogo -ou melhor, de tesouro. Até que enfim, bravo.


Odeon 100 Anos     
Artista: vários (30 títulos)
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 20, em média, cada CD



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