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MÚSICA
Em sua terceira fase, coleção "Odeon 100 Anos" inclui clássicos da pilantragem e gravação de Elis com Os Borges
Bossa instrumental predomina em nova série
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A série histórica "Odeon 100
Anos", dirigida pelo titã
Charles Gavin, prossegue com
uma batelada de 30 novas reedições, com predomínio desta vez
da seara da bossa nova dos anos
60 e desdobramentos posteriores.
O novo lote de bossa admite raridades instrumentais de Eumir
Deodato, Walter Wanderley, Milton Banana Trio e Neco, além de
discos dos 70 e 80 de Rosinha de
Valença, Hélio Delmiro e Victor
Assis Brasil Quarteto. No limite,
recupera um LP de jazz instrumental gravado pelo grande cantor Dick Farney em 1959 (leia lista
completa em quadro ao lado).
Também pertencem a esse território o híbrido "A Pedida É Samba" (61), de uma Isaura Garcia então casada com o organista Walter Wanderley, o disco coletivo ao
vivo "Gemini 5" (65), com Pery
Ribeiro, Leny Andrade e Bossa
Três, e "Nós", disco de 74 do precursor Johnny Alf.
Duas quase-surpresas saem do
esquecimento nesse garimpo: o
violonista co-inventor da bossa
Luiz Bonfá aparece cantando em
voz mansa e agradável por todo o
álbum "Recado Novo de Luiz
Bonfá" (62); na contramão, o cantor suave Marcos Valle tem resgatado seu único disco orquestral, o
estranho "Braziliance!" (67).
Pilantragem
Um dos pontos altos da nova
coleção vem de um outro filho da
bossa, Wilson Simonal, que tem o
"Simonal" de 1970 reeditado pela
primeira vez em CD.
Lançado pouco antes dos episódios que culminaram na desgraça
definitiva do líder da vertente negra da bossa, "Simonal" flagrava-o desembarcando da pilantragem
que lhe havia dado fama e publicidade e mergulhando de cabeça
na... contracultura.
Era um assombroso disco de
elogio à marginalidade (como em
"Moro no Fim da Rua") e de crítica a valores sociais tipo casamento tradicional, com centro nervoso em "Deixa o Mundo e o Sol Entrar", de Marcos e Paulo Sérgio
Valle. Um novo Simonal nascia
ali, mas foi abatido em pleno vôo.
O diálogo entre pilantragem e
contracultura pode ser ouvido na
comparação com um disco semi-instrumental de 68 do Som Três,
grupo acompanhante de Simonal
no som da pilantragem.
"Som Três Show", do trio liderado por Cesar Camargo Mariano, era um festival de fusão entre
bossa nova, MPB, suingue festivo,
pilantragem e pré-black power. O
produtor era Wilson Simonal.
"Doris" (71), da descomunal
Doris Monteiro, poderia fechar
uma trilogia com os dois anteriores, decupando num só padrão
sonoro as marginálias de Noel
Rosa, Marcos Valle, Sérgio Sampaio Antonio Carlos & Jocafi e
Sidney Miller (no hoje clássico do
samba-rock "É Isso Aí").
Nordeste tropicalista
Em terreno experimental oposto ao de Simonal, Valle e Doris,
em 72 estreavam em dupla, pela
gravadora Copacabana (hoje extinta e incorporada à EMI, que
também controla o espólio da
Odeon), os pernambucanos Alceu Valença e Geraldo Azevedo.
Diferente de tudo que eles fariam depois, era um disco de herança tropicalista, especialmente
porque tinha como orquestrador
e regente ninguém menos que
Rogério Duprat. É um clássico da
música popular brasileira.
Ironicamente, acontecia mais
ou menos ao mesmo tempo em
que a Odeon dava respiro e folga
ao velho samba, colocando Nelson Cavaquinho em estúdio ou
revelando Eduardo Gudin e, num
disco dividido em dois, Roberto
Ribeiro e a então jogadora de basquete e sambista Simone.
Elis & Os Borges
Outro título de que hoje não se
fala muito e está no pacote é "Os
Borges" (80), que reúne num disco único família central na concepção do clube da esquina de
Milton Nascimento.
Como curiosidades para 2003,
"Os Borges" inclui participação
especial de Elis Regina (em "Outro Cais") e a balada mineira
"Voa, Bicho", de Telo e Márcio
Borges, que Milton Nascimento
regravou em 2002 em companhia
de Maria Rita Mariano.
Na sacola de "variados", a coleção se fecha com samba histórico
(em CDs de Noel Rosa, Moreira
da Silva, Gasolina e Os Cinco
Crioulos), baião (Trio Nordestino), pós-jovem guarda (só um
disco de 69 da dupla Deny & Dino), samba-rock (um Luis Vagner
que inclui o hino "Guitarreiro") e
"nova" MPB da virada dos 70 para os 80 (Fátima Guedes).
Por último, "Noite Ilustrada"
(76) faz jus à maldição: se até pouco o sambista de "Volta por Cima" não interessava nada, agora
que morreu se reedita pela primeira vez alguma coisa de seus
melhores anos.
Afora uma ou outra derrapagem, a EMI consolida a liderança
que vem desfrutando desde o ano
passado no quesito de recuperação de catálogo -ou melhor, de
tesouro. Até que enfim, bravo.
Odeon 100 Anos
Artista: vários (30 títulos)
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 20, em média, cada CD
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