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São Paulo, quarta-feira, 17 de setembro de 2003

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LITERATURA

Autor argentino é um dos convidados do festival Perhappiness, que vai até domingo, em Curitiba

"Escrever é desculpa para brincar com livros", diz César Aira

Clarín
O escritor argentino César Aira, autor de "A Trombeta de Vime", que participa hoje do festival literário Perhappiness, em Curitiba


SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Escrever não basta. Para o escritor argentino César Aira, 54, ter uma vida literária significa combinar essa atividade com as de traduzir, organizar obras de outros autores e, sobretudo, ler.
Autor de mais de 30 livros -entre eles "Ema, la Cautiva" (Mondadori, 1981) e "A Trombeta de Vime" (2002, Iluminuras)- e um dos mais produtivos escritores argentinos da atualidade, Aira está em Curitiba para participar hoje do festival Perhappiness. "E também para conhecer a casa de Dalton Trevisan", avisa.
Aira traduz, escreve romances, ensaios, elaborou o "Diccionario de Autores Latinoamericanos" (Emecé, 2001) e organizou a obra do conterrâneo e amigo Osvaldo Lamborghini (1940-1985).
O Perhappiness é um festival que nasceu como homenagem ao poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989), criador do neologismo que reúne as palavras "talvez" e "felicidade", em inglês. Leia trechos da entrevista que Aira concedeu à Folha, de Buenos Aires.
 

Folha - Num ensaio que escreveu sobre o escritor Osvaldo Lamborghini, você atribuiu sua importância ao fato de ele ter misturado a tradição gauchesca argentina com a literatura política dos anos 70. Qual é o principal legado de cada uma para a cultura argentina?
César Aira -
A gauchesca foi o que de melhor, e mais original, aconteceu na Argentina (e no rio da Prata em geral) no século 19. Não tivemos um Machado de Assis e nem um grande romancista até Roberto Arlt, na década de 1930. Lamborghini combinou a psicopatologia urbana cosmopolita de Arlt com o nacionalismo legendário da literatura gauchesca.
E aquilo que poderia ter sido um pastiche híbrido, sua genialidade fez transformar-se no compromisso trágico com a época também trágica na qual escreveu.

Folha - Além de escrever, você também faz traduções e organiza obras de outros autores. Como definiria sua relação com a literatura?
Aira -
Com o tempo, me convenci de que escrever é apenas uma parte do trabalho do escritor, e nem sequer a mais importante. Ler é mais importante, porque é o objeto último do prazer. E ler exige uma tarefa de classificação, hierarquização, de criação de regras, e dar lugar às exceções, lembrar e esquecer. Para mim, a literatura é uma arte de biblioteca. Escrever é pouco mais que uma desculpa de legitimação, para que me deixem seguir brincando com os livros.

Folha - Em entrevista à Folha no ano passado, você disse que a crise na Argentina tinha feito com que deixasse de ter vontade de escrever. Isso agora está mudando?
Aira -
Essas nossas crises nacionais têm muito de psicológico. Por exemplo, na Argentina, hoje, todo mundo acha que a crise acabou. Ninguém mais fala de crise, e, na verdade, as condições objetivas não mudaram nem um pouco. Nesses humores coletivos acredito que exista algo análogo à criação literária: se trata de inventar, e encontrar as palavras que melhor transmitam a invenção, cuidar para que pareça verossímil e vigiar os sentidos. E é assim que escrevo meus romances.

Folha - Por que você se interessou pela trajetória de Rugendas [sobre quem escreveu "Um Episódio na Vida do Pintor Viajante"]?
Aira -
Meu interesse era pelos pintores viajantes como símbolo de uma vida transformada em arte, ou uma arte transformada em vida. Para encontrar esses artistas é preciso olhar para a China, para o Japão, para uma tradição de artistas que já não necessitam trabalhar porque sua arte está encarnada neles e é leve e instantânea como o vôo de uma mariposa. Rugendas, o Rugendas sonhado por mim, é uma transposição ao Ocidente dessa utopia artística.

Folha - Você é muito simples e direto, além de muito sério, em seus textos. Como descreve seu estilo?
Aira -
Não tenho a sensibilidade para a linguagem que têm os poetas, minha única preocupação estilística é ser o mais transparente possível. Quero que o leitor possa ver as cenas de minha fantasia tal como eu as vi. A linguagem para mim é puramente instrumental. Queria ser ainda mais frio.


CÉSAR AIRA. Mesa-redonda do escritor argentino com os brasileiros Wilson Bueno e Rubens Figueiredo. Onde: teatro Londrina - Memorial de Curitiba (r. Claudino dos Santos, s/nº -°setor histórico). Quando: hoje, às 19h. Grátis.

15º PERHAPPINESS. De 15 a 21 de setembro. Informações pelo tel. 0/xx/ 41/3213355. A programação completa está no site www.fccdigital.com.br/perhappiness.



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