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Minas dá benefício a suspeito de sonegação
Bernardo Paz, investigado por fraudes, recebeu R$ 20 milhões do governo
Governo do Estado nega que esteja beneficiando o empresário com a construção do centro de convenções em Inhotim
BRENO COSTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo de Minas concedeu um benefício de cerca de
R$ 20 milhões ao empresário e
mecenas Bernardo Paz, devedor do Estado e réu numa ação
judicial em que é acusado de
participar de um esquema de
fraudes fiscais que resultou
num prejuízo de R$ 74,7 milhões ao governo mineiro.
Paz criou em 2004 o Centro
de Arte Contemporânea de
Inhotim, em Brumadinho (60
km de BH). É o mais importante centro cultural de arte contemporânea do país, com um
acervo que inclui artistas como
Hélio Oiticica (1937-1980), Cildo Meireles e Matthew Barney.
Segundo a Polícia Civil e o
Ministério Público, duas siderúrgicas de Paz se beneficiaram
de um esquema de sonegação
de impostos. O suposto esquema envolvia empresas fantasmas, laranjas e o uso de notas
falsas para pagar menos ICMS.
Ele foi indiciado pela polícia
sob suspeita de formação de
quadrilha e fraude fiscal. Num
estágio posterior, o Ministério
Público excluiu o crime de formação de quadrilha por considerar que não havia provas.
Os advogados de Paz disseram à Folha que não consideram que seu cliente seja réu, já
que não lhe foi dado o direito
de se defender. O empresário também é cobrado na Justiça pelo
Estado de Minas por dívidas de
R$ 8,2 milhões de impostos.
Negócio da China
O governo mineiro acertou
com o Instituto Cultural Inhotim, que gerencia o centro e cujo conselho de administração é
presidido por Bernardo Paz, a
construção de um centro de
convenções orçado em R$ 19,6
milhões. O prédio ficará ao lado
do centro cultural.
Para isso, o instituto doou ao
governo de Minas, em dezembro passado, um terreno de 25
mil m2, avaliado em R$ 20 mil.
Mas a doação veio acompanhada de uma série de condicionantes -entre elas, que o governo construirá o centro e entregará a administração do espaço ao próprio Inhotim.
"É um negócio da China",
afirma Maria Sylvia Zanella di
Pietro, professora da Faculdade de Direito da USP e uma das
maiores especialistas em direito público no Brasil.
Ela e Carlos Ari Sundfeld,
professor da PUC-SP, dizem
que há uma irregularidade na
doação. Na interpretação dos
dois, o negócio precisaria ser
aprovado pela Assembleia Legislativa de Minas, como determina a Constituição do Estado,
já que se trata de doação que
implica gastos para o governo.
Para erguer o centro, o Estado firmou dois convênios com
o Ministério do Turismo, que
entra com R$ 14,6 milhões, enquanto o governo mineiro dá
contrapartida de R$ 5 milhões.
O TCU (Tribunal de Contas
da União), que audita recursos
federais, decidiu que o centro
não poderá ser administrado
por uma entidade privada. O
governo de Minas já entrou
com recurso para que o TCU
mude de posição.
Não é exatamente por falta
de recursos que Paz fez o acordo com o governo Aécio. Ele é
sócio de mais de 20 empresas e
o maior produtor independente de ferro-gusa do país, segundo sua assessoria.
As duas siderúrgicas acusadas de fraudar o governo mineiro (Itasider e MGS) têm capital social de R$ 35,1 milhões e
R$ 4,76 milhões, respectivamente. O centro cultural Inhotim vale US$ 200 milhões (R$
365 milhões), de acordo com a
assessoria de Paz.
O maior comprador
Desde que decidiu investir
em arte contemporânea, nos
anos 1980, Paz tornou-se o
maior comprador desse mercado, posto que tomou do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira.
O braço financeiro do Instituto Cultural Inhotim é uma
empresa chamada Horizontes.
Ela era dona do terreno onde
será erguido o centro de convenções até três meses antes da
doação ao Estado.
A Horizontes é controlada
por uma offshore chamada Vine Hill Financial, criada nas
Ilhas Virgens Britânicas, um
paraíso fiscal no Caribe.
Offshore é um tipo de empresa que funciona em paraíso fiscal para pagar menos impostos
e para dificultar que as autoridades saibam quem são os seus
proprietários.
Foi outra empresa de fora do
Brasil, a Flamingo Investment
Fund, aberta nas Ilhas Cayman, que fez os maiores aportes financeiros na Horizontes.
Em menos de dois anos, a
Flamingo emprestou US$
126,4 milhões (R$ 231 milhões)
à Horizontes, cujo capital é de
R$ 650 mil (350 vezes menos
que o valor emprestado). Dois
especialistas em direito financeiro ouvidos pela Folha dizem
que o dinheiro emprestado deve ser do próprio Paz.
Não dá para saber se todo esse valor foi investido em arte e
no centro cultural. Se o recurso
foi para comprar obras de arte,
é um dos maiores investimentos privados já feitos no Brasil,
similar apenas aos recursos
usados para comprar a coleção
do Masp, em 1947. O acervo do
MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, o principal do
país em arte contemporânea, é
avaliado em US$ 37 milhões.
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