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Debate que eu gosto
Depois de levantar polêmica com "Tropa de Elite", o cineasta José Padilha faz segredo sobre a continuação do longa e planeja botar o dedo em duas outras feridas do Brasil -pirataria e mensalão
TETÉ RIBEIRO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
A produtora de José Padilha fica no começo de uma
ruazinha estreita do Jardim
Botânico, no Rio de Janeiro.
A numeração diminui, o
táxi desacelera e aparece um
muro alto, cinza, com segurança na porta. Mas essa não
é a casa certa. A dele é a do lado, toda aberta, pintada de
amarelinho claro, com bandeirinhas tibetanas na frente
que dançam com o vento.
"Quase todos os dias alguém toca a campainha aqui
e pergunta se tem aula de
meditação", diverte-se.
Lá dentro, as paredes são
decoradas com pôsteres dos
filmes que produzem, desenhados pela arquiteta Jô Rezende, mulher de Padilha
"há uns 13, 14 anos".
Os dois têm um filho, Guilherme, de seis anos, "meu
companheiro de SporTV e
desenho animado", confessa
o fã de "Kid vs. Kat". "É mil
vezes mais estressante do
que meus filmes. O gato é um
alienígena que quer matar a
menina", empolga-se.
Era o último dia antes de
uma viagem a Los Angeles,
onde iria finalizar a cor de
"Tropa de Elite 2". "Lá meu
filme não quer dizer nada",
comemora o diretor do longa
mais pirateado da história do
cinema brasileiro, o "Tropa
1", como ele chama agora o
filme/acontecimento de
2007.
Ele odeia pirataria, por
motivos óbvios e por outros
mais altruístas. "É concorrência desleal com o dono de
uma lojinha que aluga DVD e
paga todos os impostos."
Como o primeiro, "Tropa
2" é baseado em muita pesquisa. "Não me considero
um artista, não tenho criatividade para inventar histórias do nada", explica. "O
que eu sei fazer é pesquisar,
pesquisar, pesquisar, aí bolar uma história para representar o que vi e embutir uma
crônica social." E, aí, deixa
que o debate aconteça.
GRANDES IDEAIS
José Padilha é um ser político. As conversas com ele
têm temas abrangentes, universais. Um diálogo pode começar com uma pergunta
mundana, mas acaba sempre com muitos conceitos, citações de filósofos, economistas, cientistas políticos,
neurologistas. Quando está
animado com um raciocínio,
fala até perder o fôlego. Um
exemplo: pergunto se ele decidiu filmar "Tropa 2" porque
é irresistível não explorar
mais o maior sucesso de sua
carreira.
Ele diz que não, que moveu-o a vontade de fazer um
filme 100% nacional, sem dinheiro estrangeiro nem um
grande estúdio por trás.
"Meu sonho é tornar o cinema brasileiro sustentável."
O novo filme é uma coprodução dele, de seu parceiro
de produtora, Marcos Prado,
do protagonista, Wagner
Moura, e do roteirista, Bráulio Mantovani.
Essa equipe tem controle
sobre todas as decisões que
envolvem um grande lançamento no cinema, desde a
distribuição até a exibição na
TV aberta depois ("Tropa 2"
já foi comprado pela Rede
Globo, que deve exibi-lo no
final do ano que vem).
"Tenho muitas críticas às
distribuidoras, elas botam
pouco dinheiro no marketing, mas viram donas do filme", explica. "Em vez de ficar reclamando, resolvi fazer
uma experiência", conta.
TROPA 2
O novo filme se passa nos
dias de hoje, portanto 13 anos
depois de "Tropa 1", que
acontecia às vésperas da última visita do papa João Paulo
2º ao Brasil, em 1997.
Padilha não mostrou o filme à reportagem nem revelou nenhum detalhe do roteiro, a não ser talvez um.
Pergunto se o filme tem
beijo na boca e ele diz, meio
contrariado, "não vou responder". E emenda: ""Tropa
1" tem, mas ninguém lembra,
dá vontade de tirar".
Outra birra do cineasta é o
fato de o Capitão Nascimento
(Wagner Moura) ter virado
herói. "Não era para ter acontecido isso", esperneia. Mas,
já que virou, decidiu usá-lo
para discutir um assunto que
queria faz tempo, mas ainda
não tinha tido oportunidade.
"Está insinuado em "Tropa
1", mas não vou dizer mais
nada", despista. E confessa:
"A pirataria pode ter me ajudado nisso. Por causa dela, o
filme tem um grande recall",
ou seja, é revisto e assistido
pela primeira vez por quem
era novo demais em 2007.
Assim como o protagonista, o sangue e as armas pesadas voltam à cena. "A violência está em todos nós, é consequência da nossa história
evolutiva."
"O que quero saber é: o
que leva um indivíduo a desviar dos padrões morais da
sociedade em que vive?"
São essas grandes questões que parecem impulsionar o cinema de Padilha. Isso
e uma certa vontade de ir fazendo, aprendendo e pensando a respeito no processo,
sem dividir o tempo entre
"hora de meditar" e "hora de
agir". Talvez as bandeirinhas
do Tibete na frente da produtora tenham significado mais
profundo, afinal de contas.
ORIGEM
José Padilha nasceu e cresceu no Rio, filho de um industrial carioca e uma dona
de casa paranaense.
Estudou física e administração na PUC do Rio e foi trabalhar no mercado financeiro. Jogava tênis todos os dias
durante a adolescência, de
quatro a seis horas por dia.
Até que machucou o ombro e
teve que parar de jogar e disputar campeonatos.
"Meu ídolo é o Guga, as
pessoas não sabem como é
difícil fazer o que ele faz."
Mas a grande paixão é o
Flamengo, uma das poucas
coisas que o tiram de casa.
"Vejo filmes em DVD e leio livros no tempo livre."
Vai ao Maracanã ver seu time jogar, única ocasião fora
dos sets em que é acompanhado por um artista, o rapper Gabriel, o Pensador.
"Ele é parado cem vezes do
elevador até as nossas cadeiras, eu sou reconhecido por
no máximo duas pessoas",
diz. "Ele é pop, eu sou cult."
Quando decidiu que queria se aventurar pelo mundo
do cinema, foi proativo. Telefonou para o diretor de documentários norte-americano
Nigel Noble, professor da
Universidade de Nova York e
vencedor do Oscar de melhor
documentário em 1982, e
convidou-o para um trabalho. Dois, na verdade.
"Ofereci a direção de um
filme sobre os carvoeiros que
ia produzir, mas disse que,
no processo, queria aprender
a fazer documentário."
Noble aceitou o convite e o
desafio e assim nasceu a produtora Zazen, a parceria com
Marcos Prado e a carreira do
cineasta.
TEMPO DE REFLEXÃO
A estreia como diretor
aconteceu em 2002 com o documentário "Ônibus 174",
baseado em um fato tão real
que foi acompanhado ao vivo pela TV.
Quase não havia margem
para interpretação no sequestro de um ônibus no Rio
de Janeiro que culminou na
morte de uma refém e do sequestrador.
Padilha viu na TV e quis
saber mais, fuçar a história,
entender o sequestrador, conhecer suas origens. Fez o filme aplicando as noções que
tinha aprendido com Noble e
observando erros e acertos
dos outros.
"Cinema é uma arte narrativa, a estética tem que servir
à história", foi a primeira lição. A segunda é "o filme não
precisa ser lento para gerar
pensamento, não precisa dar
tempo de reflexão durante a
obra".
Entre seus próximos projetos estão um filme sobre pirataria e outro sobre o mensalão, chamado "Nunca Antes
na História Deste País". "O
roteiro está pronto, mas é difícil captar [recursos] para esse filme", conta, achando engraçada a reação dos empresários. "Mas o BNDES deu R$
1 milhão", diz. "Queria filmar
antes do "Tropa 2", mas não
consegui o dinheiro."
Encerrada a entrevista, ele
atende um telefonema, dá
um tchau com a mão que está
livre e, rindo, emenda o sinal
universal de louco, girando o
dedo indicador na altura da
orelha enquanto diz: "Não, o
Capitão Nascimento não é
um exterminador do futuro".
Quem mandou esconder tanto o filme?
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