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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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"LÁGRIMAS DO SOL"

Guerra sobrepuja o que importa em filme

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em "Lágrimas do Sol", Bruce Willis comanda um pelotão cuja missão consiste em se infiltrar numa Nigéria em guerra e tirar de lá Monica Bellucci, aliás dra. Lena Kendricks.
Mal Bruce começa sua missão, percebemos que essa bela mulher que dedica a vida a salvar os pobres negros está fascinada por aquele homem branco anglo-saxão, que aparenta não lhe dar a mínima bola. Ele só pensa naquilo: na "missão". Ela mal consegue nos convencer de que está preocupada com seus doentes: tudo o que pretende é chegar logo à fronteira e transar com o tenente.
Infelizmente, "Lágrimas do Sol" é um filme anglo-saxão, hollywoodiano, puritano, de modo que se dedica por duas horas à guerra, e não àquilo que interessa aos personagens. Sim, porque embora disfarce durante um tempo, logo Bruce Willis, o ten. Waters, manda às favas as ordens que recebeu do comando para salvar os refugiados da dra. Kendricks, tornando a missão arriscadíssima, submetendo a sua vida e a de seus comandados a cruéis perigos, apenas para agradar à dra.
Todos sabemos, aliás, que do ponto vista não só humanitário, como também do humano, a doutora tem razão. Acontece que o ponto de vista militar é diferente: um militar segue ordens e não resmunga. Waters faria o mesmo, visivelmente. Ele pouco se lixa para os negros. Ele se importa com a missão, em primeiro lugar, e com a doutora, em segundo.
Logo, porém, ele percebe que a dra. Kendricks está ligada nele. Ela passa a ser a coisa mais importante, à frente da missão, subvertendo as ordens. E o tenente tem de se ocupar dos negros, senão, ele percebe, quando atravessarem a fronteira, a doutora não lhe dará nem bom-dia, que dirá o resto.
"Lágrimas do Sol" é um filme ambíguo. Como "Dia de Treinamento", longa anterior de Fuqua, tudo começa de modo muito simples, mas as coisas complicam-se durante o decorrer do filme. Nesse caso, Fuqua trabalha com um roteiro que, em outras mãos, serviria apenas ao militarismo e ao intervencionismo. Em vez disso, ele busca as entrelinhas para buscar ali uma história em que tudo deriva da atração sexual (portanto, uma história realista).
Ao mesmo tempo, Fuqua visivelmente não pode levar essa lógica às últimas consequências: tem de contrabandeá-la para o interior do filme, fazer com que as atitudes de Waters pareçam de ordem humanitária, um capítulo dessa história entre "bem" e "mal", tão cara aos americanos.
Então, embora estourem 1.500 bombas no filme, elas não têm o fogo de olhares que Willis e Monica trocam. Eles são a parte de fato interessante do filme, a que subverte a lógica militarista do texto e o próprio texto. Por elas, vale ficar de olho em Antoine Fuqua.


Lágrimas do Sol
Tears of the Sun
   Produção: EUA, 2003 Direção: Antoine Fuqua Com: Bruce Willis, Monica Bellucci Quando: a partir de hoje nos cines Metrô Santa Cruz 3, Jardim Sul 4 e circuito


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