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"LÁGRIMAS DO SOL"
Guerra sobrepuja o que importa em filme
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em "Lágrimas do Sol", Bruce
Willis comanda um pelotão
cuja missão consiste em se infiltrar numa Nigéria em guerra e tirar de lá Monica Bellucci, aliás
dra. Lena Kendricks.
Mal Bruce começa sua missão,
percebemos que essa bela mulher
que dedica a vida a salvar os pobres negros está fascinada por
aquele homem branco anglo-saxão, que aparenta não lhe dar a
mínima bola. Ele só pensa naquilo: na "missão". Ela mal consegue
nos convencer de que está preocupada com seus doentes: tudo o
que pretende é chegar logo à fronteira e transar com o tenente.
Infelizmente, "Lágrimas do Sol"
é um filme anglo-saxão, hollywoodiano, puritano, de modo
que se dedica por duas horas à
guerra, e não àquilo que interessa
aos personagens. Sim, porque
embora disfarce durante um tempo, logo Bruce Willis, o ten. Waters, manda às favas as ordens que
recebeu do comando para salvar
os refugiados da dra. Kendricks,
tornando a missão arriscadíssima, submetendo a sua vida e a de
seus comandados a cruéis perigos, apenas para agradar à dra.
Todos sabemos, aliás, que do
ponto vista não só humanitário,
como também do humano, a
doutora tem razão. Acontece que
o ponto de vista militar é diferente: um militar segue ordens e não
resmunga. Waters faria o mesmo,
visivelmente. Ele pouco se lixa para os negros. Ele se importa com a
missão, em primeiro lugar, e com
a doutora, em segundo.
Logo, porém, ele percebe que a
dra. Kendricks está ligada nele.
Ela passa a ser a coisa mais importante, à frente da missão, subvertendo as ordens. E o tenente tem
de se ocupar dos negros, senão,
ele percebe, quando atravessarem
a fronteira, a doutora não lhe dará
nem bom-dia, que dirá o resto.
"Lágrimas do Sol" é um filme
ambíguo. Como "Dia de Treinamento", longa anterior de Fuqua,
tudo começa de modo muito simples, mas as coisas complicam-se
durante o decorrer do filme. Nesse caso, Fuqua trabalha com um
roteiro que, em outras mãos, serviria apenas ao militarismo e ao
intervencionismo. Em vez disso,
ele busca as entrelinhas para buscar ali uma história em que tudo
deriva da atração sexual (portanto, uma história realista).
Ao mesmo tempo, Fuqua visivelmente não pode levar essa lógica às últimas consequências: tem
de contrabandeá-la para o interior do filme, fazer com que as atitudes de Waters pareçam de ordem humanitária, um capítulo
dessa história entre "bem" e
"mal", tão cara aos americanos.
Então, embora estourem 1.500
bombas no filme, elas não têm o
fogo de olhares que Willis e Monica trocam. Eles são a parte de fato
interessante do filme, a que subverte a lógica militarista do texto e
o próprio texto. Por elas, vale ficar
de olho em Antoine Fuqua.
Lágrimas do Sol
Tears of the Sun
Produção: EUA, 2003
Direção: Antoine Fuqua
Com: Bruce Willis, Monica Bellucci
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô
Santa Cruz 3, Jardim Sul 4 e circuito
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