São Paulo, quarta-feira, 17 de outubro de 2007

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Na contramão

Após o sucesso popular de "Carandiru", Hector Babenco volta com "O Passado" e afirma que não faz cinema para ter 6 milhões de espectadores, mas para ser pensado e discutido

Silvia Zamboni/Folha Imagem
Babenco, em sua casa, em SP; "O Passado" abre a 31ª Mostra


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Poucas vezes me senti tão orgulhoso de mim como com esse filme", diz o cineasta Hector Babenco, a respeito de "O Passado", seu novo título, que inaugura amanhã a 31ª Mostra Internacional de Cinema de SP, em sessão só para convidados.
"É meu melhor filme. Fico muito tocado cada vez que o vejo. Fico tão tocado quanto ficava quando via um filme do Kieslowski, quando vi "O Bebê de Rosemary" [Roman Polanski, 1968]; certo tipo de filme que trabalha numa ambigüidade de gênero que você não sabe exatamente o que é, mas sabe que está vendo algo novo", afirma Babenco, explicando o orgulho da própria obra.
Quando "O Passado" estrear nos cinemas, no entanto, no próximo dia 26, "é possível que ele não seja descoberto", pondera o diretor. Seria culpa dos tempos atuais, em que, segundo Babenco, "as pessoas estão desconstruídas por uma modernidade banal" e "é raro encontrar opinião própria".

Paleolítico
Nesse contexto, o diretor de filmes como "Lúcio Flávio -Passageiro da Agonia", "Pixote - A Lei do Mais Fraco" e "O Beijo da Mulher-Aranha" julga-se "um ser da era paleolítica".
Babenco diz sentir-se cada vez mais isolado na recusa "a fazer tudo virar o bom e o mal, como se o homem e a mulher não fossem seres ambíguos".
Para esse problema, não há solução, diferentemente do que ocorre no panorama geral do cinema brasileiro, em que Babenco identifica um debate de termos invertidos.
"Todo mundo se pergunta qual é a solução para o cinema brasileiro, mas ninguém discute qual é o problema. Sábio é quem acha o problema", diz.
No seu caso particular, ainda que o "problema" da inadequação ao presente esteja identificado, ele afirma: "Não vou me improvisar, tentando fazer [filmes] como o Fernando Meirelles ["Cidade de Deus"] ou o José Padilha ["Tropa de Elite"]. A esta altura do campeonato, não vou me prostituir".
O que Babenco chama de prostituir-se seria trair seu estilo, que a crítica situa no verbete "clássico", em busca exclusivamente do sucesso popular. Não que ele não o queira ou que despreze os 4,6 milhões de espectadores que obteve com "Carandiru" (2005), o antecessor de "O Passado".

Autoflagelação
"Não vou me autoflagelar dizendo que considero de alta qualidade não ser reconhecido. Mas não faço cinema para ter 6 milhões de espectadores. Faço cinema para ser pensado e discutido. Senão, o que digo àquele garoto de 17 anos que quis ser cineasta?", diz, demonstrando acertar contas com o passado.
Quando, em sua casa, reflete sobre os temas acima, Babenco fita na mesa da sala uma peça de artesanato do rio Negro, presente de seu amigo e médico particular, Drauzio Varella.
Com um peixe preso à ponta do anzol, o pescador jamais tomba, não importando a que distância da margem seja posicionado. "É meu auto-retrato. Não caio nunca. Estou sempre pescando", conclui o diretor.


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