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32ª MOSTRA DE SP
"Dinheiro tem duas faces", diz Dardenne
"O Silêncio de Lorna" conta história de imigrante albanesa que busca ajuda da máfia para obter cidadania na Bélgica
"O tráfico de seres humanos e os casamentos de papel movimentam muito dinheiro", afirma o diretor Luc Dardenne à Folha
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
David Cronenberg presidia o
júri do Festival de Cannes em
1999, quando "Rosetta", de
Jean-Pierre e Luc Dardenne,
ganhou a Palma de Ouro. Recebida com surpresa e até certo
escândalo ("Tudo sobre Minha
Mãe", de Almodóvar, era o favorito e saiu apenas com o prêmio de direção), a Palma jogou
luz sobre o cinema bressoniano
de raro rigor estético e político
dos irmãos belgas.
Desde "Rosetta", os Dardenne voltaram à Cannes com todos os seus filmes e sempre saíram de lá premiados, incluindo
uma segunda Palma de Ouro,
em 2005, por "A Criança", e o
de melhor roteiro, neste ano,
por "O Silêncio de Lorna" -exibido na Mostra de São Paulo.
Mantendo o olhar sobre o estado do mundo a partir de personagens específicos, os irmãos
Dardenne contam a história de
uma jovem imigrante albanesa
(Arta Dobroshi) que tenta a vida em Liège (Bélgica). Para obter cidadania, Lorna procura
ajuda da máfia russa e compra
um casamento com Claudy, jovem viciado em drogas em reabilitação (Jérémie Renier).
Dinheiro é personagem
"O tráfico de seres humanos
e os casamentos de papel movimentam muito dinheiro e são
parte importante da receita das
máfias hoje", disse Luc Dardenne, em entrevista à Folha,
durante o Festival de Cannes.
"Não quisemos fazer um filme-denúncia, e sim acompanhar
uma personagem que se envolve nesse esquema."
Como em "A Criança", o dinheiro é um personagem à parte no desenvolvimento da trama. "Mas é um personagem
com duas faces", disse Jean-Pierre Dardenne. "É o dinheiro
da sobrevivência e da manipulação, mas, também, o dinheiro
da confiança, como vemos na
cena em que Claudy entrega a
Lorna todo seu dinheiro, para
não cair na tentação de comprar drogas." A história tem como inspiração um caso real que
eles ouviram de uma amiga, cujo irmão, viciado, recebeu da
máfia albanesa uma proposta
de casamento arranjado.
Ator antes da técnica
O trabalho dos atores é um
ponto forte dos filmes da dupla.
Para o papel de Lorna foram
feitos vários testes, e a escolhida foi a jovem albanesa Arta
Dobroshi: "Eles assistiram a alguns filmes que havia feito, gostaram e me chamaram para fazer uma série de testes. Depois,
fui para Liège e fiquei dois meses aprendendo francês".
Mais impressionante é o trabalho de Jérémie Renier, que
conversou com um especialista
para conhecer os efeitos de
uma crise de abstinência no
corpo e emagreceu 15 quilos em
dois meses, quando se alimentou exclusivamente de saladas.
"Nunca mais faço isso", brinca.
"Não é bom para o corpo, é um
sofrimento." Segundo Renier,
os Dardenne dão liberdade incomum aos atores. "Ensaiamos
bastante, "encontramos" a cena
e só então eles pensam onde
vão posicionar a câmera. O ator
vem antes da técnica."
Do palco para a tela
Mas os ensaios não bastam
para arrancar boas interpretações. "Gostamos de ensaiar,
mas também tentamos fazer
com que os atores não se fiem
na técnica. Por isso, modificamos as coisas no set sem aviso e
procuramos desestabilizar o
ator", explica Luc Dardenne.
A técnica surgiu após alguns
anos de experiência teatral.
"Não foram filmes que deram
vontade de fazer cinema. Trabalhávamos como assistentes
de um dramaturgo e diretor de
teatro belga, Armand Gatti, que
fazia criações coletivas. Ele nos
encarregou de registrar os ensaios com uma câmera de vídeo, e foi assim que tomamos
gosto pela coisa."
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