São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2008

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32ª MOSTRA DE SP

Crítica

Narrativa vê sentimento como um estorvo

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

No cinema dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, assim como na vida, as ações que contam são aquelas praticadas em silêncio. Em "O Silêncio de Lorna", mais até do que nos filmes anteriores da dupla ("O Filho", "A Criança"), essa estética dos gestos discretamente significativos se impõe de maneira implacável. Vamos à inevitável sinopse: em Liège, a jovem albanesa Lorna (Arta Dobroshi), que se casou com o drogado Claudy (Jérémie Renier, de "A Criança") para obter cidadania belga, agora precisa se livrar do marido para casar com um russo, certamente mafioso, em troca de alguns milhares de euros. Em nossa época, cidadania virou moeda de troca. O que não estava nos planos de Lorna e seus comparsas (entre eles seu namorado) era apegar-se ao rapaz viciado, que busca desesperadamente deixar as drogas e conta com ela para ajudá-lo. O sentimento, nos Dardenne, é algo que pega os personagens no contrapé. É um estorvo, sublime estorvo, a perturbar a lógica dos interesses materiais. Não por acaso, a primeira imagem do filme é de cédulas de euro sendo contadas num guichê de banco. Só depois a câmera sobe para mostrar a moça que as manuseia, Lorna, como a indicar que o dinheiro é o que comanda seus atos. O procedimento lembra "O Dinheiro", o último filme de Robert Bresson, este outro cultor das narrativas desdramatizadas, em que a aparente secura esconde uma sensibilidade extrema para as fraquezas e belezas humanas. Com suas elipses bruscas, seus diálogos escassos, sua câmera sempre presa à circunstância da protagonista, a narrativa dos Dardenne configura uma dialética do mostrar e do ocultar que convida o espectador não tanto a se identificar com a personagem, mas a refletir sobre o seu destino. Há uma cena reveladora da recusa dos diretores em cair nas concessões do sentimentalismo e da catarse. Na tentativa de vencer o vício, Claudy compra uma bicicleta e diz que vai pedalar o dia todo para se manter ocupado. Lorna, feliz por ele, faz menção de sair correndo pela rua para alcançá-lo na bicicleta, mas se detém. O que poderia ser uma epifania romântica se torna prenúncio de algo ruim. Faltou dizer que no centro de tudo, como sempre, há um filho, pouco importa se real ou imaginário.

O SILÊNCIO DE LORNA
Quando: hoje, 17h30, no Unibanco Arteplex; amanhã, 22h20, no Reserva Cultural; dia 20, 21h, no Cine TAM; dia 24, 17h10, no Espaço Unibanco; dia 26, 22h, no Espaço Unibanco Pompéia
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos
Avaliação: ótimo



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