|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
32ª MOSTRA DE SP
Crítica
Narrativa vê sentimento como um estorvo
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
No cinema dos irmãos
belgas Jean-Pierre e
Luc Dardenne, assim
como na vida, as ações que contam são aquelas praticadas em
silêncio. Em "O Silêncio de
Lorna", mais até do que nos filmes anteriores da dupla ("O Filho", "A Criança"), essa estética
dos gestos discretamente significativos se impõe de maneira
implacável.
Vamos à inevitável sinopse:
em Liège, a jovem albanesa
Lorna (Arta Dobroshi), que se
casou com o drogado Claudy
(Jérémie Renier, de "A Criança") para obter cidadania belga,
agora precisa se livrar do marido para casar com um russo,
certamente mafioso, em troca
de alguns milhares de euros.
Em nossa época, cidadania virou moeda de troca.
O que não estava nos planos
de Lorna e seus comparsas (entre eles seu namorado) era apegar-se ao rapaz viciado, que
busca desesperadamente deixar as drogas e conta com ela
para ajudá-lo. O sentimento,
nos Dardenne, é algo que pega
os personagens no contrapé. É
um estorvo, sublime estorvo, a
perturbar a lógica dos interesses materiais.
Não por acaso, a primeira
imagem do filme é de cédulas
de euro sendo contadas num
guichê de banco. Só depois a câmera sobe para mostrar a moça
que as manuseia, Lorna, como a
indicar que o dinheiro é o que
comanda seus atos.
O procedimento lembra "O
Dinheiro", o último filme de
Robert Bresson, este outro cultor das narrativas desdramatizadas, em que a aparente secura esconde uma sensibilidade
extrema para as fraquezas e belezas humanas.
Com suas elipses bruscas,
seus diálogos escassos, sua câmera sempre presa à circunstância da protagonista, a narrativa dos Dardenne configura
uma dialética do mostrar e do
ocultar que convida o espectador não tanto a se identificar
com a personagem, mas a refletir sobre o seu destino.
Há uma cena reveladora da
recusa dos diretores em cair
nas concessões do sentimentalismo e da catarse.
Na tentativa de vencer o vício, Claudy compra uma bicicleta e diz que vai pedalar o dia
todo para se manter ocupado.
Lorna, feliz por ele, faz menção
de sair correndo pela rua para
alcançá-lo na bicicleta, mas se
detém. O que poderia ser uma
epifania romântica se torna
prenúncio de algo ruim. Faltou
dizer que no centro de tudo, como sempre, há um filho, pouco
importa se real ou imaginário.
O SILÊNCIO DE LORNA
Quando: hoje, 17h30, no Unibanco Arteplex; amanhã, 22h20, no Reserva
Cultural; dia 20, 21h, no Cine TAM; dia
24, 17h10, no Espaço Unibanco; dia 26,
22h, no Espaço Unibanco Pompéia
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 16 anos
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: 32ª Mostra de SP: "Dinheiro tem duas faces", diz Dardenne Próximo Texto: Análise: Retrospectiva traz versatilidade de Kihachi Okamoto Índice
|