São Paulo, sábado, 17 de outubro de 2009

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Artistas brasileiros são beneficiados com crise

Recessão faz com que obras de nomes internacionais consagrados percam valor

Trabalhos de Marepe custam mais caro que peças de Wentworth; mas, de modo geral, transações envolvem valores mais discretos


Adrian Dennis/France Presse
Em Covent Garden, Londres, homem observa escultura do americano Jeff Koons, que integra amostra "Pop Life: Art in a Material World", da Tate Modern

FERNANDA MENA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LONDRES

Há pouco mais de um ano, uma esquizofrênica sequência de eventos virou de cabeça pra baixo o mercado das artes.
Em menos de 24 horas, o banco Lehman Brothers abriu falência, arrastando o sistema financeiro para o buraco, e um leilão de obras do artista-estrela Damien Hirst somou estratosféricos 111 milhões de libras (cerca de R$ 310,5 milhões) em vendas. A euforia deu lugar a reticência.
Passado um ano do início da crise, a sétima edição da Frieze Art Fair, uma das maiores feiras do mundo, abriu na última quarta com um desafio: entender como a recessão mudou a forma de fazer arte e negócios.
"A nova tendência é comprar com os olhos, e não com os ouvidos", avalia Nicholas Logsdail, dono da galeria Lisson, em Londres. "Existia um hype que não era real, mas puramente especulativo. Com a crise, perdeu espaço a arte estúpida e ganhou a arte inteligente. A substância das obras está em alta."
Para Hayden Dunbar, diretor da galeria nova-iorquina Paul Kasmin, apesar da melhora nos negócios neste ano, ainda não é possível falar em recuperação.
"O ritmo ainda está lento. Mas agora estamos lidando com colecionadores de verdade e não com milionários russos que querem fazer mais dinheiro com arte. É um mercado mais real", explica ele, ao lado de um quadro de Andy Warhol, negociado por 385 mil libras (por volta de R$ 1,07 milhão).
Essa nova conjuntura do mercado de arte vai na contramão da herança de Warhol, mapeada na exposição "Pop Life: Art in a Material World", atualmente em cartaz na Tate Modern, em Londres.
A mostra investiga o legado do artista a partir de sua famosa frase: "Um bom negócio é a melhor arte", e reúne nomes como Hirst, Jeff Koons, Keith Haring e Takashi Murakami.
São artistas que seguiram os passos da Factory, a fábrica de obras de arte criada por Warhol, e que souberam usar a mídia para transformar seus nomes em grifes.
Agora, os tempos são outros. De acordo com a Art Market Research, empresa que monitora o setor, os preços de arte contemporânea subiram 313% entre 2006 e 2008, mas, desde então, caíram mais de 60%.
Com o estouro da bolha das artes, as maiores vítimas foram justamente artistas hipervalorizados, como o grafiteiro Banksy e o próprio Hirst. O preço de seus trabalhos despencou, segundo pesquisa da revista "ArtReview".

Ponto fora da curva
Mas, assim como em outros setores, o Brasil parece ser um ponto fora da curva da crise. O país participa da Frieze com cinco galerias (A Gentil Carioca, Fortes Vilaça, Luisa Strina, Triângulo e Vermelho), uma representação maior que a de países como China e Japão.
Mais do que isso: a relativa estabilidade da economia do país e a desvalorização das moedas estrangeiras em relação ao real fizeram com que os brasileiros saíssem da turbulência econômica valorizados.
Um colecionador brasileiro que preferiu não se identificar dá o exemplo cabal: arrematou um trabalho do escultor britânico Richard Wentworth, celebrado na última Bienal de Veneza, por valor bem abaixo daquele negociado por uma obra do baiano Marepe.
Ainda assim, a galerista Luisa Strina parece não ter motivos para se intimidar: em apenas três horas desde a abertura da feira, já havia vendido sete peças de seu estande. "A feira não está tão movimentada como há dois anos, mas quem veio, veio para comprar."
Ricardo Trevisan, da Casa Triângulo, também comemorava ontem o que chamou de uma quebra de paradigma: "Vendemos hoje três trabalhos para a galeria Saatchi. Eduardo Berliner vai ser o primeiro artista brasileiro a fazer parte da coleção de Charles Saatchi [famoso colecionador britânico]".
A curadora Isobel Whitelegg realizou uma pesquisa recente sobre a presença do Brasil nas coleções de arte britânicas e encontrou trabalhos de Mira Schendel, Lygia Clark, Sandra Cinto, Brígida Baltar e André Komatsu, entre outros.
"Existe um interesse crescente por artistas brasileiros no Reino Unido. E não dá pra dizer que esses colecionadores estão sendo cautelosos quando investem nesses trabalhos."
Para o colecionador britânico Stuart Evans, que tem investido em brasileiros, "enquanto artistas britânicos querem reinventar a roda e muitas vezes acabam se perdendo, os brasileiros conseguem uma arte consistente mesmo quando se referem a movimentos artísticos do passado. Estou interessado nessa substância."
A nova economia da arte parece ter subvertido a máxima de Warhol: a melhor arte é um bom negócio.


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