São Paulo, sábado, 17 de outubro de 2009

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LIVROS

Criticar China é cinismo, diz Grass

Em debate, Nobel alemão de 1999 rebateu críticas ao fato de o país asiático ser o homenageado da Feira de Frankfurt

Autor, conhecido pelas posições de esquerda e pelo passado nazista, fez as declarações durante mesa sobre seu livro "O Tambor"


MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT

O veterano autor alemão Günter Grass aproveitou as críticas à participação chinesa na 61ª Feira do Livro de Frankfurt para provocar controvérsia e criticar o seu próprio país.
Em debate realizado ontem para comemorar os 50 anos de lançamento de "O Tambor", promovido pelo jornal "Die Zeit", o Prêmio Nobel disse que "é cinismo criticar a corrupção na China". O país é o convidado de honra do maior evento editorial do mundo, que acontece até amanhã, e os organizadores da feira estão sendo criticados por homenagear um país em que a censura existe e os opositores são perseguidos.
Grass é conhecido pelas suas posições de esquerda, por lidar com o peso do passado nazista e por apontar o dedo para as feridas sociais na Alemanha contemporânea. Foi, por exemplo, um grande opositor da forma como ocorreu a reunificação alemã. No próximo mês, serão comemorados os 20 anos da queda do Muro de Berlim.

Atitudes contrastantes
A atitude de Grass contrasta com a da vencedora do Nobel de 2009, a alemã Herta Müller, que criticou a restrição às liberdades individuais na China. A escritora, que fugiu da Romênia durante a ditadura comunista de Ceausescu, cumprimentou em sua passagem pela feira alguns dissidentes chineses que participaram dos debates, como o jornalista e escritor Zhou Qing, que foi censurado e preso pelo regime chinês.
Na véspera de sua intervenção em Frankfurt, Grass já havia criticado a "arrogância" de se achar que a Alemanha possui uma democracia perfeita e havia declarado que o país também era "infestado pela corrupção". O gosto pela polêmica -Grass fez suas declarações em Frankfurt contra os esforços do moderador, que tentava manter a discussão centrada no livro- também é diferente daquele demonstrado por sua colega de Nobel. Müller se esforçou para manter uma atitude cuidadosa e "low profile".
As comemorações de "O Tambor" ocorreram no dia em que Grass completou 82 anos, com direito a champanhe. Ele lançou seu romance há exatos 50 anos, na própria Feira de Frankfurt. É seu livro mais famoso e foi de certa forma o romance inaugural da literatura alemã no pós-guerra.
O autor comentou que fez na época uma obra "de risco", já que não era conhecido e não tinha nada a perder. Também disse que havia feito um livro sobre a sua "província", a região de Gdansk (atual Polônia), e que nem imaginava que o livro seria compreendido fora da Alemanha ("Se fosse entendido na Baviera, já seria uma sorte").
O autor disse que usou, como referência para seu livro, Cervantes e "o grande romance picaresco espanhol". Também falou que Rabelais foi uma fonte de inspiração. Sobre as acusações de pornografia na época do lançamento, lembrou que nos anos 50 o país ainda lidava com a herança do nazismo. "O livro não é sobre a busca da pátria, mas sobre a ausência dela."
Ontem à tarde, o autor também participou de uma leitura de "O Tambor". Acompanhado do percussionista Günter Baby Sommer, ele leu uma seleção de trechos do livro. De forma vigorosa e de pé, interpretou os trechos sobre a história de Oskar, o menino que se recusou a crescer durante a Segunda Guerra. No ano passado, Grass já havia participado da feira para lançar "Die Box", a segunda parte das suas memórias. A editora Record vai lançar o livro no Brasil, ainda sem data definida.


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