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LIVROS
Criticar China é cinismo, diz Grass
Em debate, Nobel alemão de 1999 rebateu críticas ao fato de o país asiático ser o homenageado da Feira de Frankfurt
Autor, conhecido pelas posições de esquerda e pelo passado nazista, fez as declarações durante mesa sobre seu livro "O Tambor"
MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT
O veterano autor alemão
Günter Grass aproveitou as críticas à participação chinesa na
61ª Feira do Livro de Frankfurt
para provocar controvérsia e
criticar o seu próprio país.
Em debate realizado ontem
para comemorar os 50 anos de
lançamento de "O Tambor",
promovido pelo jornal "Die
Zeit", o Prêmio Nobel disse que
"é cinismo criticar a corrupção
na China". O país é o convidado
de honra do maior evento editorial do mundo, que acontece
até amanhã, e os organizadores
da feira estão sendo criticados
por homenagear um país em
que a censura existe e os opositores são perseguidos.
Grass é conhecido pelas suas
posições de esquerda, por lidar
com o peso do passado nazista e
por apontar o dedo para as feridas sociais na Alemanha contemporânea. Foi, por exemplo,
um grande opositor da forma
como ocorreu a reunificação
alemã. No próximo mês, serão
comemorados os 20 anos da
queda do Muro de Berlim.
Atitudes contrastantes
A atitude de Grass contrasta
com a da vencedora do Nobel
de 2009, a alemã Herta Müller,
que criticou a restrição às liberdades individuais na China. A
escritora, que fugiu da Romênia durante a ditadura comunista de Ceausescu, cumprimentou em sua passagem pela
feira alguns dissidentes chineses que participaram dos debates, como o jornalista e escritor
Zhou Qing, que foi censurado e
preso pelo regime chinês.
Na véspera de sua intervenção em Frankfurt, Grass já havia criticado a "arrogância" de
se achar que a Alemanha possui
uma democracia perfeita e havia declarado que o país também era "infestado pela corrupção". O gosto pela polêmica
-Grass fez suas declarações
em Frankfurt contra os esforços do moderador, que tentava
manter a discussão centrada no
livro- também é diferente daquele demonstrado por sua colega de Nobel. Müller se esforçou para manter uma atitude
cuidadosa e "low profile".
As comemorações de "O
Tambor" ocorreram no dia em
que Grass completou 82 anos,
com direito a champanhe. Ele
lançou seu romance há exatos
50 anos, na própria Feira de
Frankfurt. É seu livro mais famoso e foi de certa forma o romance inaugural da literatura
alemã no pós-guerra.
O autor comentou que fez na
época uma obra "de risco", já
que não era conhecido e não tinha nada a perder. Também
disse que havia feito um livro
sobre a sua "província", a região
de Gdansk (atual Polônia), e
que nem imaginava que o livro
seria compreendido fora da
Alemanha ("Se fosse entendido
na Baviera, já seria uma sorte").
O autor disse que usou, como
referência para seu livro, Cervantes e "o grande romance picaresco espanhol". Também falou que Rabelais foi uma fonte
de inspiração. Sobre as acusações de pornografia na época
do lançamento, lembrou que
nos anos 50 o país ainda lidava
com a herança do nazismo. "O
livro não é sobre a busca da pátria, mas sobre a ausência dela."
Ontem à tarde, o autor também participou de uma leitura
de "O Tambor". Acompanhado
do percussionista Günter Baby
Sommer, ele leu uma seleção de
trechos do livro. De forma vigorosa e de pé, interpretou os trechos sobre a história de Oskar,
o menino que se recusou a crescer durante a Segunda Guerra.
No ano passado, Grass já havia
participado da feira para lançar
"Die Box", a segunda parte das
suas memórias. A editora Record vai lançar o livro no Brasil,
ainda sem data definida.
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