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Com "Oliver Twist", Polanski defende um cinema
sóbrio e repudia o gosto dos jovens por efeitos
Clássica rebeldia
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O cineasta Roman Polanski é
um homem fascinado por detalhes -e pela possibilidade de
acontecimentos banais mudarem
o curso de uma vida.
Para encontrar o que o seduz
em "Oliver Twist", romance de
Charles Dickens (1812-1870) que
adaptou para as telas (que estréia
amanhã no Brasil), Polanski, 72,
não precisou ir muito longe.
Foi fisgado no terceiro capítulo,
por um tinteiro alguns centímetros fora do lugar. "Sempre que
pensava em "Oliver Twist", era do
julgamento que eu me lembrava",
afirma o diretor.
Polanski descreve a cena: "O
juiz vai assinar a sentença que
acabaria com a vida de Oliver [o
garoto seria entregue à exploração de um criminoso] sem nem
olhar para ele, que está à sua frente, chorando. Mas o tinteiro não
está no lugar de sempre. Quando
move o braço para o outro lado da
mesa, o juiz vê Oliver. E não assina a sentença. Só porque um tinteiro não estava onde deveria".
Dickens e Polanski têm em comum o fato de haverem escapado
de uma infância de privações,
próxima da tragédia. Nascido numa família pobre, o escritor inglês
trabalhou desde criança, quando
seu pai, endividado, foi preso.
Autodidata na adolescência,
Dickens iniciou sua carreira na literatura com folhetins publicados
em jornais, até consagrar-se como grande escritor, especialista
na abordagem da infância em romances de formação como "Oliver Twist".
Polanski, que retornou com a
família à Polônia depois de seu
nascimento em Paris, é um sobrevivente do Gueto de Varsóvia. Sua
mãe, não. Morreu vítima da perseguição nazista, que também
confinou seu pai a um campo de
concentração.
A vida adulta de Polanski não
foi menos conturbada. Envolve o
assassinato de sua mulher, Sharon Tate, quando grávida; um
processo por abuso sexual de menor que o impede de entrar nos
EUA e uma disputa judicial com a
revista "Vanity Fair" pela abordagem do primeiro tema.
O cineasta filmou o episódio do
julgamento de Oliver Twist, seu
favorito, com estilo clássico e imponente, que adotou em todo o
filme. Pela sobriedade da narrativa de "Oliver Twist", o diretor foi
confrontado com a questão: "O
Polanski transgressor de "Repulsa
ao Sexo" [1965] se tornou o humanista de "O Pianista" [2002] e de
"Oliver Twist'?".
A pergunta -feita por uma jornalista brasileira durante o Amazonas International Film Festival
(4/11 a 10/11)- desagradou ao diretor. Polanski disse que isso era
tema para psicanalistas e quis encerrar a conversa.
A aversão do cineasta a entrevistas é notória. Em "Polanski por
Polanski" ele afirma: "Não dei
uma única boa entrevista em minha vida. E foram centenas".
Mas o diretor não deixou a
questão provocadora sem resposta. Apenas revelou/escondeu seu
pensamento em detalhes salpicados aqui e ali. Foi assim que Polanski deixou claro que transgredir, hoje, no cinema é oferecer o
que o público não quer mais
-daí o retorno ao clássico.
Quis fazer um filme para jovens
"sem ketchup", disse, mesmo declarando-se certo de que boa parte do público jovem está viciada
no sabor que ele rejeita.
Polanski foi mais longe e criticou a padronização do gosto e a
domesticação da produção cultural aos desejos do consumidor.
"Somos todos vítimas dessa globalização da cultura. Hoje, o turista sempre consegue o que quer."
Era um comentário sobre o
show "interessante e apelativo" de
um grupo de folclore amazonense
que lhe presenteou com um cocar, símbolo da Amazônia para
turista.
Com "Oliver Twist", Polanski
imaginou um diálogo próximo,
caseiro. Diz que pensou em seus
filhos -de sete e 13 anos- para
quem até aqui sua obra havia ficado inalcançável. "Meu filho até
gostou de "O Pianista", mas prefere "Homem-Aranha'", ironizou.
Mas não é apenas por um cinema de efeitos especiais que se interessam as crianças. Ao menos as
de Polanski: "Levei meus filhos
para ver "A Marcha do Imperador". Ficaram fascinados. Com
um documentário sobre pingüins, numa paisagem de neve! A
gente nunca sabe de onde pode
vir o fascínio do cinema", disse o
diretor.
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