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CLÁSSICA REBELDIA
Em "Oliver Twist", diretor recorre ao realismo de Dickens para um mergulho em simbolismos
Polanski parte em busca das origens da dor
Divulgação
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O garoto Barney Clark em cena de "Oliver Twist", do diretor Roman Polanski, que estréia amanhã |
CÁSSIO STARLING CARLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Numa interpretação hoje
consagrada, o cineasta russo
Sergei Eisenstein apontava nos
romances de Charles Dickens a
estrutura que depois viria a ser a
base do cinema clássico, construído sobre uma lei genérica que garante que a toda ação corresponde uma emoção.
A idéia ganha importância
diante da questão que se pode fazer para a refilmagem de um clássico de Dickens, "Oliver Twist",
por Polanski. Não se trata de um
ato de anacronismo?
Sim, pode ser a resposta. Para
Polanski, porém, a intenção de fazer um "filme sem ketchup" demonstra a insatisfação com os filmes de pura ação, produzidos hoje em massa, que teriam roubado
do cinema o vigor daquela lei genérica que o mantinha vivo desde
a origem.
Mas é num outro sentido, talvez
mais importante para o diretor,
que seu filme adquire vigor. Um
retorno a Dickens do ponto de
vista narrativo parece válido em
certas circunstâncias, mas é enquanto apropriação artística,
transformadora, que o "Oliver
Twist" de Polanski salta aos olhos.
Filmar como forma de exorcismo pessoal é atributo do diretor
desde os anos 60 e, com o passar
do tempo, seus filmes ganharam
status de espelhos cada vez menos
disfarçados de seus traumas particulares. O ápice dessa tendência
parecia ser "O Pianista", no qual
Polanski traduzia em imagens sua
experiência de prisioneiro de gueto judaico durante a ocupação nazista da Polônia na Segunda
Guerra Mundial, a destruição de
sua família e a sobrevivência graças ao "poder da arte".
"Oliver Twist" é um aprofundamento dessa forma, só que ampliada por um golpe de mestre: o
recurso ao realismo de Dickens e
do cinema para um mergulho
carregado de simbolismos. Em
vez de uma época datada -a do
totalitarismo hitlerista-, um
tempo original -o da ascensão
do capitalismo na Londres imperial. No lugar de um protagonista
específico -artista e judeu-,
um personagem universal -uma
criança.
Pois aqui a aparência serve para
deflagrar uma série de associações no espectador. Tal como a
gravura original em preto-e-branco que se ilumina, enche-se
de cores e se anima na primeira
cena do filme, os percalços de Oliver se tornam um símbolo do indivíduo moderno, com suas tentativas de ser ele mesmo sendo
destruídas por outras forças.
É como metáfora do indivíduo
abandonado à própria sorte, jogado num orfanato (cuja entrada
nada fica a dever à de Auschwitz),
tendo que sobreviver em um
meio movido a espertezas (um
bando de foras-da-lei) e perseguido por vários poderes (polícia,
Justiça) que "Oliver Twist" amplia
o escopo pessoal explícito de "O
Pianista" (2002).
O bem e o mal aqui se deslocam
de sua imutabilidade metafísica
(demasiado presente no filme anterior) para se mover de um lado
para o outro das relações de Oliver, sem se fixar em nenhum dos
personagens que o rodeiam. O
salvador da miséria pode ser o algoz. O explorador se transmuta
imperceptivelmente em protetor.
Por isso Fagin (numa criação assombrosa de Ben Kingsley) é um
dos personagens antipáticos mais
simpáticos dessa história.
A infância nas origens do capitalismo não funciona apenas como recuo no tempo, pois a angústia de Oliver diante da incapacidade de segurar as rédeas de seu destino já é aquela que o pianista
Szpilman experimenta sob o nazismo. E depois?
Oliver Twist
Oliver Twist
Direção: Roman Polanski
Produção: Inglaterra/França/Itália,
2005
Com: Ben Kingsley, Barney Clark, Jamie
Foreman
Quando: a partir de amanhã nos cines
Anália Franco, Jardim Sul e circuito
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