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COMIDA
NINA HORTA
Ser ou não ser brasileiro?
Claro que quero escrever
sobre livros brasileiros, comida brasileira e comida ao alcance de todos. Bem, na verdade não
sou eu que quero, é a lógica, estamos no Brasil, há que se comer e
ler o que existe aqui. Por sinal, em
se tratando de comida, Gabriela
Masciolli, a dona da livraria Mille
Foglie, cansou de passar vergonha
com os clientes que perguntavam:
"Mas onde estão os livros em português?"; e resolveu abrir sua própria editora. Já editou o primeiro,
vai partindo para outro.
Não vou mais apertar botões na
Amazon, afinal não tem nada a
ver conosco, com pequis e com
pitangas. Enquanto penso isto, já
me levantei, dei uma penteada no
cabelo e vou indo compulsivamente para a livraria Cultura para
NÃO comprar a caixa de DVDs
com a "New Yorker" completa,
um objeto de desejo. O que tenho
eu com Nova York, deveria comprar DVDs de São Paulo. Tem?
Não tem. E precipito meu caminho até a livraria, 4.109 revistas
perfeitas, inteiras, desde 1925,
com todos os anúncios, todas as
modas e designs, todos os cartuns, os escritores que surgiam,
nem acredito. Tem pouco de cozinha, mas o que tem é muito bom,
M.K.Fisher, Calvin Trillin, Liebling, Anthony Bourdain. Rebecca Mead... (americanos, americanos, americanos...)
Não tem mesmo nada parecido
em português? Como a finada revista "O Cruzeiro", com as garotas do Alceu, o Barreto Pinto de
cueca, o David Nasser e suas reportagens e a cozinha de Helena
Sangirardi? Então, vamos lá, põe
no cartão em três vezes. Pronto, já
foi, o sentimento é o de ganhar
uma boneca querida no Natal.
E do próprio jornal vem uma
pauta, pediram a resenha de um
livrinho. Ah, deve ser bem brasileiro, jambos e jabuticabas e geléias. O quê? Alexandre Dumas?
É impressionante como os autores saem de moda. No meu
tempo de adolescente, em vez de
Harry Potter lia-se Alexandre Dumas, pardon, em français, mes
amis, "Os Três Mosqueteiros", "O
Visconde de Bragellone", "O
Conde de Montecristo".
Depois que comecei a gostar de
comida, digo, de ler sobre comida, comprei o "Le Grand Dictionnaire de Cuisine", escrito pelo
próprio Dumas; era possível um
homem tão eclético? Agora vejo
que a Jorge Zahar Editor se propõe a lançar em breve uma coleção de notas gastronômicas,
afiando as máquinas para mais
tarde publicar o interessantíssimo
dicionário. O livrinho tem duas
partes: "Memórias Gastronômicas", carta de Dumas a seu amigo
Jules Janine, e, como contador de
histórias, discorre rapidamente
sobre três séculos, com graça; seguido de "Pequena História da
Culinária", da macieira do Paraíso ao primeiro restaurante de Paris. O livro tem 148 páginas e custa
R$ 34.
E os personagens dele me fogem
todos, já não sei quem é ninguém,
se algum dia soube. Conhecem a
imperatriz da tragédia, Mlle Georges, na rua de l"Ouest? E o ator
Lockroy, fino e trocista? E Charles
de Mornay, um resíduo da velha
raça fidalgueira? Mas não importa, lá estão os pés de página acordando as figuras comilonas, que
são reis, grandes gastrônomos,
duques, ministros. É a história,
minha gente, e para variar não é a
nossa, mas tem a ver, é o passado
de todos, afinal.
Jeffrey Steingarten, o colunista
de comida da revista "Vogue"
americana, que, lógico, também
não é brasileiro, concorda com
Dumas num assunto polêmico.
(Uma vez eu o entrevistei por telefone, e ele, para me agradar, falava
muito em inhame ou cará, dizia
que gostava, o mentiroso!) Os
dois detestam verduras. "... A salada não é absolutamente uma alimentação natural para o homem,
por mais onívoro que seja. Só os
ruminantes nasceram para pastar
folhas...", escreve Dumas e dá a
receita de seu molho que faz salvar o prato malquerido, com anchovas, gema de ovo, azeite, molho de soja...
Para quem gosta de história da
comida, é uma boa introdução
para o dicionário de Dumas, este
em francês.
Eu mesma acabei de ler um livro
ótimo, pequeno, de bom formato,
que trata de restaurantes e de comer fora em geral. O autor é Stephen Shaw (americano, americano), o livro "Turning the Tables"
(virando a mesa). O assunto é o
restaurante por dentro e por fora.
O autor é um advogado que se
descobriu crítico de restaurantes
e abriu um site que se tornou famoso. Ensina como conseguir
marcar uma mesa em restaurante
badalado, mostra os bastidores,
fornecedores de comida e controvérsias, o negócio por trás do restaurante, o futuro do comer fora
de casa.
Não percam este livro quando
aparecer traduzido. Muito sabido
e simpático e... americano. É, inglês é o latim novo, não adianta, as
pitangas e jabuticabas estão metidas lá no meio da mistura e, como
são frágeis e viajam mal, aparecem pouco. Como o assunto não
cabe num só artigo, continuo na
semana que vem.
@ - ninahort@uol.com.br
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