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Livros - Crítica/"O Gene Egoísta"
Estudo clássico da biologia faz 30 anos e ganha nova edição
Obra-prima do britânico Richard Dawkins chega com um ano de atraso ao Brasil
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
H
á uma anedota já clássica no gueto dos jornalistas científicos segundo a qual é possível sustentar qualquer tese sobre o papel
dos genes no comportamento
humano citando um trecho escolhido de "O Gene Egoísta", de
Richard Dawkins.
Como toda boa piada, esta é
cruel, mas tem mais do que um
fundo de verdade. Ela revela o
barulho que o maior clássico
moderno da biologia tem feito
desde que saiu, em 1976, e a
confusão que ainda causa: determinismo ou livre-arbítrio?
As idéias que permeiam o livro de Dawkins há muito vazaram do laboratório e foram canibalizadas pelo mundo da cultura. Viraram desculpa para
um monte de coisas, de infidelidade conjugal a assassinato. E,
recentemente, foram ecoadas
por ninguém menos que James
Watson, o pai do Projeto Genoma Humano, em suas declarações desmioladas sobre diferenças genéticas determinando
diferenças de capacidade intelectual entre brancos e negros.
É em boa hora, portanto,
apesar do atraso de um ano, que
chega ao Brasil a edição comemorativa de 30 anos de "O Gene Egoísta". Quem já leu pode
aproveitar para desfazer mal-entendidos sobre o livro, numa
atmosfera política menos carregada que a dos anos 1970.
Quem não leu pode se deliciar
com a prosa de Dawkins, então
um pensador mais arejado (e
menos chato) que o militante
ateu de "Deus, um Delírio".
A premissa básica do livro é
que os genes são a "unidade"
mínima da evolução e "agem"
de acordo com o axioma da seleção natural darwinista: maximize sua sobrevivência.
Sobreviver, aqui, equivale a
espalhar o maior número possível de cópias de si mesmo. Para que isso aconteça em um
ambiente em que vários genes
competem entre si, é necessário eliminar rivais e recorrer a
uma série de truques, tais quais
criar "máquinas de sobrevivência" que protejam o DNA do
contato direto com o mundo.
Essas máquinas somos nós,
os organismos vivos, que Dawkins comparou a "gigantescos e
desajeitados robôs".
O valor adaptativo de uma
máquina de sobrevivência está
em ser melhor que seus competidores na exploração do ambiente. Para o gene, não compensa ajudar outro organismo
quando isso implica em custo.
Portanto, na evolução -e, por
tabela, no comportamento humano-, impera a lei da selva.
Parando por aí, fica-se com a
impressão de que Dawkins cede ao determinismo. Mas, embora intencionalmente force a
mão na linguagem, ele mesmo
desmonta tal sugestão ao postular que o egoísmo dos genes
montou uma máquina tão sofisticada -o cérebro e a consciência- que consegue se rebelar contra seus ditames.
A biologia mudou um bocado
nestes 31 anos. Mas "O Gene
Egoísta" continua sendo obrigatório. Não só para quem quer
entender a genética mas também para qualquer um que se
pergunte como é possível traduzir conceitos científicos
complicados como quem escreve um romance.
O GENE EGOÍSTA
Autor: Richard Dawkins
Editora: Cia. das Letras
Quanto: R$ 55 (540 págs.)
Avaliação: ótimo
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