São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2007

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Livros

Ruy Castro une real ao fictício

Em novo livro, autor junta um d. Pedro 1º adolescente a Leonardo, de "Memórias de um Sargento de Milícias"

Romance se passa em 1810, após vinda da corte ao Brasil, e retrata o Rio na transição de cidade colonial para metrópole do império luso


Divulgação
O escritor Ruy Castro na entrada da Travessa do Comércio, ou beco do Telles, um dos cenários de seu romance histórico no Rio


EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

D. Pedro 1º e uma decadente cortesã de nome Bárbara dos Prazeres são dois personagens reais da história brasileira, verificáveis em livros sobre o período pós-chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808. Que o primeiro quase perdeu a virgindade com a tal prostituta, no beco do Telles, isso o leitor só encontrará registrado em "Era no Tempo do Rei", segunda investida do escritor Ruy Castro, colunista da Folha, na fusão entre real e imaginário. Biógrafo de Nelson Rodrigues e Carmen Miranda, entre outros, Castro estreou na ficção com "Bilac Vê Estrelas", de 2000.
O real está literalmente personificado na figura do príncipe d. Pedro 1º, púbere de seus 12 anos, em 1810. O imaginário é Leonardo, menino de idade próxima à de Pedro, personagem extraído por Castro das páginas de "Memórias de um Sargento de Milícias", romance de Manuel Antônio de Almeida, publicado em 1854.
Castro defende que, concebido como ficção, com o tempo o romance se tornou referência obrigatória na história do Rio e do Brasil daquele período. O autor tomou emprestado a primeira frase do livro de Almeida para o título de seu romance, assim como a "temperatura de investigação e testemunho de época". Foi o lado picaresco e malandro das aventuras de Leonardo, no entanto, que guiou a ficção de Castro - uma sucessão de farras adolescentes tendo como pano de fundo Carnaval, política, erotismo etc.
O escritor, que leu "Memórias de um Sargento de Milícias" aos dez anos, por volta de 1958, disse que ao reler o livro pela décima vez e comparar certas características de d. Pedro 1º, viu que o príncipe e Leonardo eram muito parecidos. "A mãe do Leonardo o abandonou e seu pai também logo sumiu. No caso do d. Pedro 1º, não se esperava que o rei ou a rainha ficassem verificando se o filho estava estudando, conferindo notas. Isso era deixado para os tutores. Então é um tipo de criação parecida entre eles, tanto que se entenderam imediatamente, na ficção. E acho que interiormente eles tinha muitas coisas em comum, como a coragem, o senso de aventura, a curiosidade."

Personagens
O único livro de ficção que Castro usou para criar sua história foi "Memórias...". Dono de uma biblioteca com quase 4.000 livros sobre o Rio, o autor afirma que fez questão de construir uma base documental sólida sobre a qual assentaria a ficção -a bibliografia incluiu quase 50 títulos. Na mescla de real e imaginário, salvo aos iniciados, pode-se restar a dúvida de que personagens são verdadeiros, quais são fictícios.
"Mas de tal modo que, se o leitor souber que personagens como Bárbara dos Prazeres ou o padre Perereca existiram na vida real, vai achar mais interessante pois reconhece o trabalho de pesquisa. Se não souber, eles funcionam perfeitamente bem como tipos imaginários. O leitor não perde nada se souber ou não se existiram."
Afora Pedro e Leonardo, o Rio de 1810 é o grande protagonista de "Era no Tempo do Rei". A transferência da capital do império para cidade foi uma experiência "fabulosa" para a cidade. "Não foi só uma mudança de endereço. A família real trouxe todo o arcabouço cultural deles. Imediatamente cresceu a quantidade de serviços de banquetes, de peruqueiros, restauração de roupas, de sapatos de alto luxo etc. Foi uma revolução cultural de um dia para o outro", diz o autor.
Ruy Castro, que confessa ter um particular prazer em descobrir histórias violentas do Rio, também fez questão de ressaltar a tendência primordial da cidade para o perigo. Ele lembra que em seu livro "Carnaval no Fogo" já mostrava que o Rio era voltado para a festa, sendo que o carioca brincava sobre "uma fogueira permanente".
"Essa atmosfera inflamada sempre existiu no Rio. Eu soube, através de um livro de história, que a cidade em 1710 era mais violenta do que em 2000. Era um breu depois de 7h da noite. Você tinha os bandidos normais, escravos fugidos que iam te assaltar, capoeiras para te esfaquear, os vagabundos, toda espécie de ameaça física te rondando e mais as ameaças externas, que eram as invasões.
Você podia morrer de bala perdida de canhão na época!" As coisas não mudariam muito cem anos depois, em 1810, quando o autor situa seu romance. Ele diz que evitou o ano exato da vinda da família real, em 1808, apenas porque precisava que a corte já estivesse estabelecida, assentada, no Rio de Janeiro.
"E por causa da idade do d. Pedro 1º. Com 10 anos não se podia esperar que um garoto saísse de lá para cá. Mas com 12, seria perfeitamente possível ele se aventurar fora do palácio. Poder, ao menos, estar com a libido um pouco mais acesa."


ERA NO TEMPO DO REI
Autor:
Ruy Castro
Editora: Alfaguara/Objetiva
Quanto: R$ 36,90 (248 págs.)



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