OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

R uy Castro está mais à vontade nesta sua segunda incursão no terreno da ficção. Na primeira, "Bilac Vê Estrelas", ainda estava muito visível a mão do biógrafo reverente ao factual.
Agora, em "Era no Tempo do Rei", o pano de fundo histórico, do Rio imperial, não sufoca o romance. A obra nutre ambição literária, ou não teria sido concebida como homenagem a "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antônio de Almeida, tornando incontornável a comparação. Os dois autores têm muito em comum. Jornalistas, eles se aproximam sobretudo pelas tiradas espirituosas. Talvez seja essa semelhança de embocadura que faça com que o livro funcione. Nada mais natural para Ruy Castro do que revisitar o registro picaresco do original.
O autor toma emprestado o personagem de "Memórias", Leonardo Pataca, transformando-o em amigo de infância de d. Pedro 1º. As traquinadas dos estróinas e as patuscadas do entrudo resultam em grande pândega -e nessa toada Castro passa a limpo o léxico do século 19. O livro não é isento de problemas. A voz do narrador nem sempre se diferencia da dos personagens, o que prejudica alguns diálogos. E, perto do desfecho, a rápida sucessão de fatos dá uma indesejável ligeireza de esquete à narrativa. Nada disso, porém, compromete o prazer da leitura. Da mesma maneira, "Memórias" não deixa de ser uma obra-prima apesar do desleixo gramatical apontado pela crítica.
Para Mário de Andrade, o romance de Almeida é um desses livros que aparecem "à margem da literatura". O mesmo pode ser dito de "Era no Tempo". Se o livro tem algum parentesco, é com "O Chalaça" de José Roberto Torero. O personagem, não o livro, é citado por Castro. Chalaça é o apelido do devasso conselheiro de d. Pedro, "outro comparsa para suas trampolinagens". Se Leonardo e Pedro tivessem a metade da idade do Chalaça, talvez o livro tivesse rendido o dobro.

Avaliação: bom