São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2007

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"Indústria do medo acua São Paulo"

Avaliação é do espanhol Josep Maria Montaner, um dos principais críticos de arquitetura do mundo, que faz palestra hoje na Bienal

Catalão, que lança "Arquitetura e Crítica" em português, elogia nomes brasileiros e cidades como Curitiba e Porto Alegre


MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

A cidade de São Paulo, assim como outros centros urbanos latino-americanos, está acuada por uma "indústria do medo", que a faz se fechar em condomínios e abandonar as áreas centrais.
Ao mesmo tempo, São Paulo gerou projetos arquitetônicos relevantes, como o Sesc Pompéia, de Lina Bo Bardi, e abriga nomes importantes da área, como o premiado arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Essa avaliação foi feita pelo espanhol Josep Maria Montaner, 53, um dos principais críticos de arquitetura do mundo, que ministra palestra hoje, às 18h30, na 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Montaner também ganha edição em português de seu livro "Arquitetura e Crítica" (ed. Gustavo Gili, R$ 45,24, 160 págs.). Professor da Escola de Arquitetura de Barcelona, onde dirige o Laboratório de Residência do Século 21, o catalão considera "muito acertado" o tema da Bienal, "O Público e o Privado", e deve abordá-lo em sua conferência, com mediação do arquiteto Paulo Sophia.
Leia, a seguir, trechos da entrevista à Folha.

 

A ARQUITETURA BRASILEIRA
O Brasil se destaca por sua arquitetura moderna, mas por ser ela uma arquitetura que soube se adaptar ao contexto e não se contrapor ao patrimônio, algo elaborado por Lucio Costa [1902-1998, um dos criadores de Brasília], defensor tanto da arquitetura colonial como da arquitetura moderna.
A arte e a arquitetura brasileiras se desenvolveram conjugando a vanguarda e a tradição. Há muitos arquitetos que se destacam no panorama internacional. Além de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, são valorizados especialmente na Europa Lina Bo Bardi [1914-1992] e Paulo Mendes da Rocha. Mas a modernidade brasileira, ao ser contextual, não sentiu falta de uma revisão tão forte das propostas do movimento moderno como em outros países, predominando uma continuidade que se reflete na obra de Mendes da Rocha -tão influenciado por Vilanova Artigas [1915-1985, um dos principais nomes da arquitetura brutalista] e Niemeyer-, que agora é mestre de uma geração representada pelo MMBB Arquitetos [escritório paulistano].

OS MODELOS BRASILEIROS
Visitei Curitiba e me impressionou sua gestão de mais de 20 anos procurando uma cidade humana e sustentável, com um especial cuidado com os parques, o espaço público e o centro histórico. Tudo isso foi conseguido com a chave do transporte público adequado à cidade. É um modelo que cito em conferências, livros e artigos.
No Brasil, têm sido gerados outros bons modelos urbanos, claramente diferentes, mas que estão além da beleza da paisagem do Rio. São emblemáticas a cidade moderna de Brasília e o modelo participativo de Porto Alegre. Esta é uma cidade que vem melhorando paulatinamente, desde seu centro histórico e seu porto até a nova Fundação Iberê Camargo [projeto do português Álvaro Siza, que será inaugurado no ano que vem], passando pelo Gasômetro e por toda a margem verde do rio [Guaíba].

O PÚBLICO E O PRIVADO
Considero muito acertado o tema da Bienal de Arquitetura de São Paulo. Estamos em um mundo onde lamentavelmente as fronteiras crescem. Nesse sentido, é emblemática a proliferação de bairros fechados e condomínios, especialmente em São Paulo, tal como ocorre em outras cidades latino-americanas, como Buenos Aires.
Toda uma indústria do medo fomentou essa rejeição do público na cidade e tem levado a esse perigo, que é o dos centros históricos serem abandonados e se degradar.
Se o público desaparece, destrói-se a cidade, que é a única possibilidade de o ser humano sobreviver na atualidade. A evolução das cidades deveria se basear em uma equilibrada e enriquecedora relação entre o público -que deve evoluir e atuar com mais energia- e o privado -que também tem mudado, mediante as relações virtuais, os novos modelos familiares, o trabalho em casa, a miniaturização dos utensílios cotidianos.

A CRÍTICA DE ARQUITETURA HOJE
A crítica de arquitetura tem hoje mais sentido que nunca, em um mundo fragmentado e complexo. Por isso, é cada vez mais difícil sua prática. A chave é ajustar a crítica às mudanças sociais, tentando compreender tudo o que implica a globalização, a expansão dos meios de comunicação, os fortes movimentos migratórios, os agudos problemas ecológicos etc. Com isso, são necessárias novas teorias de arquitetura. Devemos desconstruir e superar dicotomias totalmente condicionantes e falsas como abstrato e figurativo, tradicional e inovador, entre outras.


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