São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2008

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LUIZ FELIPE PONDÉ

A Grife Obama


Agora com um César negro identificado com as utopias políticas, ficaremos órfãos do Mal


HÁ ALGO de contraditório e de ridículo na comemoração da vitória do Obama que me chama a atenção. A vitória de um mulato para presidente reforça o fato de que os Estados Unidos são a experiência mais relevante da modernidade e que merece nosso profundo respeito e atenção.
A contradição é que grande parte dos "adoradores" do Obama são os mesmos "odiadores" dos EUA.
Pergunto-me como ficará o ódio infantil que muitos de nós nutre pelos EUA agora que os EUA do bem venceram. A quem dirigir esse ódio de pobre contra quem tem sucesso? Os EUA exercem o "maldito" poder no mundo, com Bush ou Obama, mas o ódio que se nutre contra os EUA é muito mais primitivo: é inveja e ressentimento.
O importante de se ter alguém como Bush, que reforçava a imagem do Império do Mal, é que ele tornava viável a identificação de uma figura maligna a quem dirigir essa inveja primitiva. Agora que teremos um César negro identificado com as utopias políticas, nós ficaremos órfãos do Mal.
Teremos que descobrir alguém para projetar esse ódio. Pelo menos até a próxima eleição americana. Ou até a era Obama revelar a quase-inércia que toda administração política carrega em si. O presidente americano não se move como uma bailarina livre, ele é contido por um sistema complexo de dívidas, burocracias e lobbies.
No caso de Obama, a imobilidade poderá ser maior: o "animal rights" exigindo que seu cachorro seja vira-lata, os gays, que a Casa Branca passe a ser a Casa Arco-Íris, as feministas, que ele torne lei o culto a Deusa, os imigrantes ilegais, que sejam reconhecidos como pilar da economia, os jovens, que ele ponha a maturidade fora da lei. Este é o preço de ser o "santo da democracia".
Uma função essencial dessa identificação com a política do Bem (a política que idolatra o Obama) é nos tornar santos. Sentimos que somos bons quando localizamos o Mal numa instância de poder como os EUA. Mesmo que essa "santidade" queira passear em Nova York, levar seus filhos a Disney ou usar sua medicina avançada.
A política do Mal (Bush) nos fornece uma identidade que alimenta aqueles que precisam se achar agentes do Bem no mundo moderno. A política da fé (ou a fé política) se transformou na verdadeira religião da versão ridícula da razão moderna. Ela tem seus sacerdotes e seus hipócritas, como toda santidade.
Ridículo é acharmos que entramos numa nova era. Essa idéia é pura repetição do velho imaginário infantil "do novo tempo". Seria a era de aquário finalmente? Os EUA apenas reafirmaram o velho "sonho americano" da vitória do mais capaz sem importar a "raça".
Ouvi dizer que "o preconceito racial acabou". Uma nova era nasce a cada momento, na mesma velocidade em que nasce uma moda intelectual ou uma nova grife. O ídolo Obama é uma grife. Como Maio de 68.
Preconceitos nunca acabarão. O preconceito é uma estrutura humana inexorável. Ele nos prepara de modo automático contra o que vemos como indesejável. Mesmo os puros de pensamento têm preconceitos. O pior preconceituoso é quem se acha livre de preconceitos.
Não há uma relação evidente entre o voto em Obama e a mudança do mundo. Bárbaros (estrangeiros) lideraram Roma. Canalhas também podem votar num Obama. Na democracia, a opinião pública é a verdadeira "deusa razão". Deusa dessa coisa boba, em que alguns crêem, chamada "a vontade popular".
Outro fato que me põe em alerta é a unanimidade. Nelson Rodrigues suspeitava da unanimidade por considerá-la sempre burra. Nelson Rodrigues é um analista mais profundo do coração humano do que Marx ou Foucault (deus da esquerda chique tipo Obamas). A inveja é mais profunda do que a luta de classes ou a ideologia.
O ceticismo comum voltado contra a religião e a favor do relativismo moral bem podia ser usado, pelo menos um pouco, contra essas políticas da fé.
Como diz Michael Oakeshott, filósofo contemporâneo inglês, no seu "The Politics of Faith & the Politics of Scepticism", sem tradução no Brasil, típico da política da fé é um governo a serviço da pretensa perfeição humana. Contra isso, a política do ceticismo tem sua raiz na dúvida com relação a qualquer perfeição humana possível, ou na dúvida com relação a nossa capacidade possível de compreensão das variáveis que condicionam o ser humano.
Sua tradução nos ajudaria a reduzir essa fé na "nova esquerda" de grifes como Foucault ou Obamas, uma fé a serviço da hipocrisia dos santos da política.

luiz.ponde@grupofolha.com.br


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