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GASTRONOMIA
Restaurantes e cardápios 2000
NINA HORTA
Colunista da Folha
Ao se desenvolver, a humanidade só se preocupava, de verdade,
com o que iria comer. Com certeza, no dia em que um de nossos
ancestrais começou a falar, titubeou "água", ou "angu" ou "dá".
É provável que a língua falada
em priscas eras só tivesse substantivos ligados às papas, às frutas,
às caças e uns verbos jogados aqui
e acolá, indicando como prepará-los e colhê-los. Hoje, milênios e
milênios depois, muita comida à
frente, muitas novidades no assunto, já usamos imagens, metáforas e simbolismos ligados à comida. Mas continuamos escrevendo berinjela com "g".
No Iraque foram achadas tábuas com escrita cuneiforme de
cerca de 1.750 anos antes de Cristo, provavelmente do reinado de
Hammurabi, e adivinhe o que
eram. Livros de receitas ensinando a fazer uma ave qualquer, provavelmente uma infeliz galinha
com o nome de kippu ou agarukku, nome polêmico, pois não sabem se era a mesma ave no feminino ou no masculino etc.
Percebem há quanto tempo estamos errando nossos cardápios?
Milênios. Milênios.
O Josimar Melo resolveu dar
uma mãozinha nessa confusão e,
por ordem alfabética, foi escrevendo certo todas as palavras, ou
quase todas, que precisamos usar
no dia-a-dia da cozinha e dos menus.
Começou com o nome do livro,
que é um achado: "Berinjela Se
Escreve com J". Quem poderá
afirmar, olho no olho, coração
aberto, que nunca duvidou da
grafia de berinjela? Eu só me
convenci e aprendi de vez
quando me enfiaram na cabeça que se escrevesse com
"g" virava beringuela. Não
virava, mas foi um bom
modo de decorar.
Pois o Josimar juntou
umas 15 mil palavras certas para compormos nossos cardápios, para mandarmos
nossos orçamentos, para resolvermos se vamos escrever em português, inglês ou francês.
Atenção, gente. Não é um dicionário, não explica as palavras,
não as define. As palavras estão lá
para serem caçadas e levadas à
força para nossos menus e receitas.
Dirá você: "Ah, se eu souber
procurar pela palavra é porque
sei escrevê-la". Ledo engano. No
pouco tempo que tive o livrinho
comigo já o usei
nas seguintes ocasiões.
Consommée? Consomée? Consomé? Consomê? Resposta: consommé é masculino e se escreve com
dois "m". Consommé. Ou, em
português, consomê.
E arroz de Braga não tem hífen,
em compensação arroz-de-cuxá,
arroz-de-forno, arroz-de-haussá,
arroz-de-leite, arroz-de-tropeiro,
todos têm.
Outro item de cardápio que
sempre me pega é a carne de vitelo feita com atum. Como é atum
em italiano? Tonno. Em francês?
Thon. E a vitela, fica tonnata ou
thoné? Ou thonée? Ou ainda
thonnée? Resposta: o prato chama-se vitello tonnato, em italiano.
O próprio Josimar Melo ao apresentar seu livro deu provas de modéstia. Quer que ele repouse no restaurante, perto do chef, na prateleira do escritório, na gaveta do
caixa, na mesa do gerente, pronto
a ser consultado a cada vez que se
elabora um novo cardápio.
O autor alerta para o fato de
que este livro nunca se esgota, que
está sempre em refazenda como
os abacates do Gilberto Gil, que
nós temos a obrigação de corrigi-lo todo dia, até ficar maduro, e
talvez jamais acabe de ser corrigido, tão vasto é o assunto. Verdade. Eu, que me achava uma comilona, descubro que jamais provei
um gureepu furuutsu juusu (jap),
nem
um hendbi m'dable-bzeit (ára) e
creia-me, em
português, um maracassumé. Não vejo a
hora de incluí-los em nosso
cardápio de todo dia.
Não contente em esclarecer e
aliviar nossos erros, Josimar Melo
lançou também o seu já obrigatório "Guia Josimar Melo" para o
ano 2000. Sobre as cotações, não
vamos brigar, porque se fôssemos,
sairíamos no pau, romperíamos
as relações, por discordar de algumas. Mas, cada cabeça uma sentença. De resto, temos no guia tudo o que pode interessar a alguém
que sai para comer em São Paulo,
com a credibilidade e a arguta e
sensível observação, concisão e
bom senso do autor.
Podemos escolher o restaurante
pelo guia e na hora de pedir a comida flagramos o dono: "Tortellini tem dois "l" e são "gratinati", ouviu bem, amico mio! Ecco".
E-mail: ninahort@uol.com.br
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