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CRÍTICA
Besson faz de personagem heroína americana
INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema
Até "Joana d'Arc", havia os que
aceitavam os filmes de Luc Besson em nome da pós-modernidade, ou rejeitavam-no mais ou menos pelo mesmo motivo. Talvez o
maior elogio que se possa fazer ao
filme seja justamente que esses
critérios não têm mais validade.
Agora Besson é um problema.
A principal novidade de "Joana
d'Arc" é que Besson não corre
mais atrás do contemporâneo; está tão integrado a ele que já não
recorre à ficção científica de "O
Quinto Elemento", por exemplo.
Ao contrário, remete a um tema
"de raiz", por assim dizer: Joana
d'Arc, o século 15, os muitos conflitos entre ingleses e franceses.
Dito isso, a primeira pergunta é:
o que há de francês no filme? Toda a inflexão é americana. Por
exemplo, os gestos de desprezo
dos poderosos, que ajudam de
modo decisivo o espectador a distinguir o bem do mal, são marca
registrada de Hollywood que Besson transpõe com desenvoltura.
Nem falemos das sequências videoclipe, das mudanças bruscas
de lente, dos momentos Três Patetas, da agitação das batalhas
-toda essa dinâmica que evita a
sensação de monotonia e permite
ao filme se comunicar com o público distraído (some-se a isso
que Milla Jovovich é uma Joana
d'Arc fashion, que não raro parece estar saindo da ferveção direto
para a filmagem).
Estamos no cinema-espetáculo.
Fiquemos nas sequências mais
importantes, as da revelação. Joana recebe a mensagem de Deus
um pouco como Linda Blair recebia o demônio em "O Exorcista":
como possessão violenta, arbitrária e, sobretudo, espetacular.
Apesar disso, o filme tem um
acentuado sotaque francês, menos pelo tema, mas por evocar essa tradição anticlerical típica do
cinema francês dos anos 40/50.
Sim, porque "Joana d'Arc" é,
em última análise, uma história
de fé. E Besson enfatiza a distinção entre o contato direto com
Deus (apregoado por Joana) e as
autoridades eclesiásticas, que não
engolem a supressão do intermediário, isto é, da igreja.
Depois, isso viria a dar na Reforma, no protestantismo -mas,
sobretudo, trata-se de uma questão que o final do século 20 relançou com energia, desde que a influência do catolicismo declinou e
passaram a proliferar inúmeras
seitas que privilegiam o contato
direto com Deus (no filme, o ato
de confessar-se é central).
Esses elementos bem franceses
ajudam a dar cor local, mas a narrativa e o modo de filmar parecem profundamente norteados
pela necessidade de assimilação
ao cinema americano atual.
Este é um ponto crucial. Besson
pretende mais ser assimilado pelo
cinema americano do que assimilá-lo. Resulta daí uma "Joana
d'Arc" estranha, como que saída
de um velho filme de Cecil B. DeMille, em que a verdade não vem
da história, mas de um poder encantatório que o cinema perdeu à
força de ser moderno e que os
americanos bem ou mal reencontraram com Spielberg e cia.
Não é o que de mais fascinante o
cinema já prometeu um dia como
arte, mas é o que se impôs na era
da pipoca e do multiplex.
Avaliação:
Filme: Joana d'Arc de Luc Besson (The
Messenger: The Story of Joan of Arc)
Diretor: Luc Besson
Produção: França, 1999
Com: Milla Jovovich, John Malkovich,
Faye Dunaway, Dustin Hoffman
Quando: a partir de hoje, nos cines
Center Iguatemi 1, Cinearte 2 e circuito
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