São Paulo, Sexta-feira, 17 de Dezembro de 1999


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CRÍTICA
Besson faz de personagem heroína americana

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Até "Joana d'Arc", havia os que aceitavam os filmes de Luc Besson em nome da pós-modernidade, ou rejeitavam-no mais ou menos pelo mesmo motivo. Talvez o maior elogio que se possa fazer ao filme seja justamente que esses critérios não têm mais validade. Agora Besson é um problema.
A principal novidade de "Joana d'Arc" é que Besson não corre mais atrás do contemporâneo; está tão integrado a ele que já não recorre à ficção científica de "O Quinto Elemento", por exemplo. Ao contrário, remete a um tema "de raiz", por assim dizer: Joana d'Arc, o século 15, os muitos conflitos entre ingleses e franceses.
Dito isso, a primeira pergunta é: o que há de francês no filme? Toda a inflexão é americana. Por exemplo, os gestos de desprezo dos poderosos, que ajudam de modo decisivo o espectador a distinguir o bem do mal, são marca registrada de Hollywood que Besson transpõe com desenvoltura.
Nem falemos das sequências videoclipe, das mudanças bruscas de lente, dos momentos Três Patetas, da agitação das batalhas -toda essa dinâmica que evita a sensação de monotonia e permite ao filme se comunicar com o público distraído (some-se a isso que Milla Jovovich é uma Joana d'Arc fashion, que não raro parece estar saindo da ferveção direto para a filmagem).
Estamos no cinema-espetáculo. Fiquemos nas sequências mais importantes, as da revelação. Joana recebe a mensagem de Deus um pouco como Linda Blair recebia o demônio em "O Exorcista": como possessão violenta, arbitrária e, sobretudo, espetacular.
Apesar disso, o filme tem um acentuado sotaque francês, menos pelo tema, mas por evocar essa tradição anticlerical típica do cinema francês dos anos 40/50.
Sim, porque "Joana d'Arc" é, em última análise, uma história de fé. E Besson enfatiza a distinção entre o contato direto com Deus (apregoado por Joana) e as autoridades eclesiásticas, que não engolem a supressão do intermediário, isto é, da igreja.
Depois, isso viria a dar na Reforma, no protestantismo -mas, sobretudo, trata-se de uma questão que o final do século 20 relançou com energia, desde que a influência do catolicismo declinou e passaram a proliferar inúmeras seitas que privilegiam o contato direto com Deus (no filme, o ato de confessar-se é central).
Esses elementos bem franceses ajudam a dar cor local, mas a narrativa e o modo de filmar parecem profundamente norteados pela necessidade de assimilação ao cinema americano atual.
Este é um ponto crucial. Besson pretende mais ser assimilado pelo cinema americano do que assimilá-lo. Resulta daí uma "Joana d'Arc" estranha, como que saída de um velho filme de Cecil B. DeMille, em que a verdade não vem da história, mas de um poder encantatório que o cinema perdeu à força de ser moderno e que os americanos bem ou mal reencontraram com Spielberg e cia.
Não é o que de mais fascinante o cinema já prometeu um dia como arte, mas é o que se impôs na era da pipoca e do multiplex.


Avaliação:   


Filme: Joana d'Arc de Luc Besson (The Messenger: The Story of Joan of Arc) Diretor: Luc Besson Produção: França, 1999 Com: Milla Jovovich, John Malkovich, Faye Dunaway, Dustin Hoffman Quando: a partir de hoje, nos cines Center Iguatemi 1, Cinearte 2 e circuito

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