São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 2005

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LIVROS

ROMANCE


Objetiva relança "A Casa do Poeta Trágico", obra de 1997 que vai do apogeu à decadência sexual de um homem

Narrativa de Cony traça parábola da angústia masculina

CRÍTICO DA FOLHA

Muito se comentou este romance, que, nos anos 90, trouxe de volta os louros literários a Cony. Afinal, sua narrativa anterior, "O Piano e a Orquestra", não estava à altura de obras do passado, e "Quase Memória", que quebrou mais de 20 anos de jejum na ficção, tinha um pé na crônica familiar. "A Casa do Poeta Trágico" conquistou ainda o título de livro do ano do Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro.
A história começa com o reencontro do casal Augusto Richet e Mona, após a separação, na casa de campo dele, em Itaipava. Observa a cena apenas o cão, chamado Segredo. A mulher, bem mais nova, casou-se novamente e mora na Itália. Fez sucesso na carreira de marketing, que aprendeu com Augusto, pioneiro na área.
Mona espanta-se ao ver o estado do ex-marido. Augusto entregou-se a uma cadeira de rodas, embora talvez não houvesse precisão disso. Ele sofreu uma crise médica após a morte, por suicídio, do filho Otávio. Mas o enredo sugere que o uso da liteirinha deve-se menos a fatores físicos do que psicológicos.
Augusto não tem nem 70 anos. Quando conheceu Mona, estava com 46; a moça não tinha completado os 17. Viu-a a bordo de um navio de cruzeiro, na costa italiana. Perseguiu-a pelos corredores da embarcação e, depois, pelas ruas de Nápoles. Enamoraram-se e casaram-se.
O romance esboça, assim, uma espécie de apogeu e queda do personagem masculino. No dia seguinte ao do primeiro encontro, o casal visita as ruínas de Pompéia. O Vesúvio já é símbolo suficiente da potência insopitável, mas o leitor ainda é apresentado ao símbolo do fálus, que, na antiga cidade, indicava o caminho para o lupanar. Vinte anos depois, a impotência assombra Augusto.
A debilidade sexual acompanha a derrocada desse homem condenado à cadeira de rodas, como um rei tolhido num trono decrépito. Augusto é um dos tipos mais tirânicos a figurar na literatura brasileira. Como se o nome dele e do filho não bastassem para remeter às glórias imperiais, Augusto gostava de repetir ao entrar num avião, para mostrar que nada podia detê-lo: "César vai a bordo".
O sobrenome esconde outra referência despótica, Richet lembra Richelieu, o todo-poderoso cardeal de Luís 13. Antes de possuir Mona, o publicitário deseja que o Vesúvio entre em erupção, para apaziguar seu descontentamento. Mona também é invenção dele. O nome da moça é Francesca, de que ele não gosta, e exige que ela troque para Mona.
Profissional pago para manipular os anseios alheios, Augusto não gosta de ver contrariada a urgência do próprio desejo. Ele teme que Mona o traia (Francesca é o nome da adúltera da "Comédia" dantesca), mas é ele quem lhe é infiel. Como havia sido no casamento anterior.
Sua visão social é terrível, pelo que deixa escapar e pelo que omite. Diz que 1975, quando conheceu Mona, foi um ano "como qualquer outro", a despeito da crise do petróleo, do caso Watergate etc. Qualquer outro o quê, cara-pálida? Em plena ditadura militar, Herzog seria assassinado em outubro.
Agrada a Augusto julgar-se trágico, mas o único personagem naturalmente trágico é o filho Otávio. Edipianamente desejoso da mulher do pai, o rapaz só se vê capaz de sobrepujá-lo (ele representa uma "regressão", como Otávio é o nome anterior do imperador Augusto) por meio da morte. Apenas matando-se logra submeter o pai à castração simbólica.
Com isso anulam-se as duas forças, a do pai e a do filho. A esterilidade é a marca deste romance, que encena o "páthos" de nossa abastada burguesia. (MARCELO PEN)

A Casa do Poeta Trágico
   
Autor: Carlos Heitor Cony
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 34,90 (216 págs.)


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