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LIVROS
ROMANCE
Objetiva relança "A Casa do Poeta Trágico", obra de 1997 que vai do apogeu à decadência sexual de um homem
Narrativa de Cony traça parábola da angústia masculina
CRÍTICO DA FOLHA
Muito se comentou este romance, que, nos anos 90,
trouxe de volta os louros literários
a Cony. Afinal, sua narrativa anterior, "O Piano e a Orquestra", não
estava à altura de obras do passado, e "Quase Memória", que quebrou mais de 20 anos de jejum na
ficção, tinha um pé na crônica familiar. "A Casa do Poeta Trágico"
conquistou ainda o título de livro
do ano do Prêmio Jabuti, concedido pela Câmara Brasileira do Livro.
A história começa com o reencontro do casal Augusto Richet e
Mona, após a separação, na casa
de campo dele, em Itaipava. Observa a cena apenas o cão, chamado Segredo. A mulher, bem mais
nova, casou-se novamente e mora
na Itália. Fez sucesso na carreira
de marketing, que aprendeu com
Augusto, pioneiro na área.
Mona espanta-se ao ver o estado do ex-marido. Augusto entregou-se a uma cadeira de rodas,
embora talvez não houvesse precisão disso. Ele sofreu uma crise
médica após a morte, por suicídio, do filho Otávio. Mas o enredo
sugere que o uso da liteirinha deve-se menos a fatores físicos do
que psicológicos.
Augusto não tem nem 70 anos.
Quando conheceu Mona, estava
com 46; a moça não tinha completado os 17. Viu-a a bordo de
um navio de cruzeiro, na costa
italiana. Perseguiu-a pelos corredores da embarcação e, depois,
pelas ruas de Nápoles. Enamoraram-se e casaram-se.
O romance esboça, assim, uma
espécie de apogeu e queda do personagem masculino. No dia seguinte ao do primeiro encontro, o
casal visita as ruínas de Pompéia.
O Vesúvio já é símbolo suficiente
da potência insopitável, mas o leitor ainda é apresentado ao símbolo do fálus, que, na antiga cidade,
indicava o caminho para o lupanar. Vinte anos depois, a impotência assombra Augusto.
A debilidade sexual acompanha
a derrocada desse homem condenado à cadeira de rodas, como um
rei tolhido num trono decrépito.
Augusto é um dos tipos mais tirânicos a figurar na literatura brasileira. Como se o nome dele e do filho não bastassem para remeter
às glórias imperiais, Augusto gostava de repetir ao entrar num
avião, para mostrar que nada podia detê-lo: "César vai a bordo".
O sobrenome esconde outra referência despótica, Richet lembra
Richelieu, o todo-poderoso cardeal de Luís 13. Antes de possuir
Mona, o publicitário deseja que o
Vesúvio entre em erupção, para
apaziguar seu descontentamento.
Mona também é invenção dele. O
nome da moça é Francesca, de
que ele não gosta, e exige que ela
troque para Mona.
Profissional pago para manipular os anseios alheios, Augusto
não gosta de ver contrariada a urgência do próprio desejo. Ele teme que Mona o traia (Francesca é
o nome da adúltera da "Comédia"
dantesca), mas é ele quem lhe é
infiel. Como havia sido no casamento anterior.
Sua visão social é terrível, pelo
que deixa escapar e pelo que omite. Diz que 1975, quando conheceu Mona, foi um ano "como
qualquer outro", a despeito da
crise do petróleo, do caso Watergate etc. Qualquer outro o quê, cara-pálida? Em plena ditadura militar, Herzog seria assassinado em
outubro.
Agrada a Augusto julgar-se trágico, mas o único personagem naturalmente trágico é o filho Otávio. Edipianamente desejoso da
mulher do pai, o rapaz só se vê capaz de sobrepujá-lo (ele representa uma "regressão", como Otávio
é o nome anterior do imperador
Augusto) por meio da morte.
Apenas matando-se logra submeter o pai à castração simbólica.
Com isso anulam-se as duas
forças, a do pai e a do filho. A esterilidade é a marca deste romance,
que encena o "páthos" de nossa
abastada burguesia.
(MARCELO PEN)
A Casa do Poeta Trágico
Autor: Carlos Heitor Cony
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 34,90 (216 págs.)
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