São Paulo, quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

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Crítica

"Gardênia" torna o teatro experiência insubstituível

Livre adaptação de "Amor nos Tempos do Cólera", peça traz ótimas atuações

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Romances consagrados sempre desafiam o teatro a torná-los espetáculos. "Gardênia", livre adaptação de "Amor nos Tempos do Cólera", de Gabriel García Márquez, é uma bem sucedida experiência de narrativa pelos meios cênicos.
Talvez o segredo desse êxito esteja na opção da dramaturga Ana Roxo de não apenas transformar a narração fluente de García Márquez em diálogos, mas de captar a essência do romance tornando-a exequível na cena, ainda que mantida a predominância do épico sobre o dramático.
A bela história do amor de Florentino Ariza por Fermina Daza, que resiste a mais de 50 anos de negaceio, é contada em todas as suas nuances, e incluindo suas principais peripécias, só que reescrita de modo ao narrado se oferecer a partir dos próprios personagens.
Ocorrem eventualmente trocas diretas entre os amantes, mas, na maior parte, são eles que se narram, e às suas ações, sem que isso de modo nenhum diminua o interesse cúmplice dos espectadores.
Cybele Jácome constrói uma Fermina inesquecível, tanto nos ardores da juventude como na temperança da velhice. Para muito além de uma caracterização naturalista (grávida de oito meses), ela alcança, sem nenhum truque de figurino ou maquiagem, a necessária verossimilhança apenas com sua presença irradiante.
Luís Mármora acompanha a potência da companheira de cena, realizando um trabalho virtuoso em que, tampouco próximo de qualquer predisposição física para encarnar o galante Florentino, consegue dar a ver a sua trajetória e, principalmente, trazer consigo a assistência.

Despojamento
Os méritos dos intérpretes são extensivos à direção de Marat Descartes, que potencializa seus desempenhos em favor da narrativa e, revelando domínio da sintaxe teatral, propõe uma encenação despojada.
Nesse sentido, são decisivos a luz, a projeção e o cenário de Cristina Souto. Trabalhando com um mínimo de recursos e efeitos, ela serve a dezenas de situações dramáticas com alguns retroprojetores, quatro cortinas leves onde são projetadas aquarelas e que se prestam como adereços, além de um toca-discos e dois banquinhos. Isso em um espaço cênico diminuto -uma estreita passarela entre arquibancadas-, o que torna a travessia vitoriosa da saga criada por García Márquez um vero milagre.
Independentemente de tratar-se de uma história bem conhecida do grande público, já amplamente veiculada como livro e como filme, "Gardênia" tem a aura que torna o teatro uma experiência insubstituível. Dois seres humanos brincando com quase nada, em um faz de conta de gente grande, instauram uma realidade mais intensa que a da vida cotidiana.


GARDÊNIA

Quando: sáb., às 21h; dom., às 19h; até 20/12
Onde: Teatro da Cia. do Feijão (r. Teodoro Baima, 68, tel. 0/xx/11/3259-9086)
Quanto: R$ 20
Classificação: 12 anos
Avaliação: ótimo




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