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Crítica
"Gardênia" torna o teatro experiência insubstituível
Livre adaptação de "Amor nos Tempos do Cólera", peça traz ótimas atuações
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Romances consagrados
sempre desafiam o teatro a torná-los espetáculos. "Gardênia", livre adaptação de "Amor nos Tempos do
Cólera", de Gabriel García Márquez, é uma bem sucedida experiência de narrativa pelos
meios cênicos.
Talvez o segredo desse êxito
esteja na opção da dramaturga
Ana Roxo de não apenas transformar a narração fluente de
García Márquez em diálogos,
mas de captar a essência do romance tornando-a exequível
na cena, ainda que mantida a
predominância do épico sobre o dramático.
A bela história do amor de
Florentino Ariza por Fermina
Daza, que resiste a mais de 50
anos de negaceio, é contada em
todas as suas nuances, e incluindo suas principais peripécias, só que reescrita de modo
ao narrado se oferecer a partir dos próprios personagens.
Ocorrem eventualmente trocas
diretas entre os amantes, mas,
na maior parte, são eles que se
narram, e às suas ações, sem
que isso de modo nenhum diminua o interesse cúmplice dos espectadores.
Cybele Jácome constrói uma
Fermina inesquecível, tanto
nos ardores da juventude como
na temperança da velhice. Para
muito além de uma caracterização naturalista (grávida de oito meses), ela alcança, sem
nenhum truque de figurino ou
maquiagem, a necessária verossimilhança apenas com sua presença irradiante.
Luís Mármora acompanha a
potência da companheira de
cena, realizando um trabalho
virtuoso em que, tampouco
próximo de qualquer predisposição física para encarnar o galante Florentino, consegue dar
a ver a sua trajetória e, principalmente, trazer consigo a assistência.
Despojamento
Os méritos dos intérpretes
são extensivos à direção de Marat Descartes, que potencializa
seus desempenhos em favor da
narrativa e, revelando domínio
da sintaxe teatral, propõe uma encenação despojada.
Nesse sentido, são decisivos a
luz, a projeção e o cenário de
Cristina Souto. Trabalhando
com um mínimo de recursos e
efeitos, ela serve a dezenas de
situações dramáticas com alguns retroprojetores, quatro
cortinas leves onde são projetadas aquarelas e que se prestam
como adereços, além de um toca-discos e dois banquinhos. Isso em um espaço cênico diminuto -uma estreita passarela entre arquibancadas-, o que
torna a travessia vitoriosa da
saga criada por García Márquez um vero milagre.
Independentemente de tratar-se de uma história bem conhecida do grande público, já
amplamente veiculada como livro e como filme, "Gardênia"
tem a aura que torna o teatro
uma experiência insubstituível. Dois seres humanos brincando com quase nada, em um
faz de conta de gente grande,
instauram uma realidade mais
intensa que a da vida cotidiana.
GARDÊNIA
Quando: sáb., às 21h; dom., às 19h; até
20/12
Onde: Teatro da Cia. do Feijão (r. Teodoro Baima, 68, tel. 0/xx/11/3259-9086)
Quanto: R$ 20
Classificação: 12 anos
Avaliação: ótimo
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