São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Vazio de ideias e com excesso de clichês, filme vulgariza a fé

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Certos filmes vêm junto com um ato de fé. "Chico Xavier", caso recente, está nessa categoria: toda sua evolução conduz à reafirmação da crença segundo a qual existe um além da vida e de que até é possível travar contato com essa esfera.
"Aparecida - O Milagre", sendo um filme da mesma categoria, começa por produzir algumas questões enigmáticas: a quem se dirige?
Quem é seu público alvo? Os crentes católicos que abandonaram a fé? Os que trocaram de religião levados pela inflação de milagres da TV? Ou a nova classe C (suposta inocente em termos de fé e estética, mas emergente para o consumo)?
Seja lá o que for, existe algo estranho nisso tudo. Hoje, as referências do filme popular vêm quase sempre da TV. "Chico Xavier" nos remete à Globo; "Nosso Lar", às novelas da velha TV Tupi. "Aparecida" parece associar dramaturgia circense ao "cinema profissional brasileiro".
O resultado é o seguinte: Marcos perde o pai, operário que cai de um andaime durante a construção da basílica de Aparecida do Norte. O garoto perde a fé e revolta-se contra a santa. Anos e anos depois, ressurge como empresário do ano, porém homem amargurado, separado da mulher (não divorciado, atenção), pai incapaz de se relacionar com o filho etc.
Para resumir, Marcos (Murilo Rosa) torna-se uma clicheria ambulante. Ou alguém "sem espaço interior", para usar a definição da amante. Em troca, sobra-lhe espaço exterior: vive numa casa enorme e vazia, como convém aos materialistas bem-sucedidos. Só o mobilizam afetivamente as fotos tiradas ao lado do pai.
Os demais personagens são muito mais atraentes: a mulher, sufocada, deixa Marcos para seguir a carreira de pianista; o filho, ex-drogado, quer ser ator, mas o pai o quer industrial.

SANTO DE CASA
Não haverá pecado em antecipar que esses ralos traços de caráter existem para preparar uma desgraça e o milagre que virá resgatá-lo. Aceitemos que o cinema seja, em certos casos, um vulgarizador da fé. Mas dentro de certos limites.
Se pretende competir com os neopentecostais em matéria de milagre, não vai dar pé: eles produzem pilhas desses, ou até melhores.
Se pretende enviar uma mensagem que fale ao tempo presente em vez de tapear fiéis incautos, seria desejável ao menos propor um roteiro em que os diálogos não se repitam de forma tão ostensiva, em que o vazio de ideias não se manifeste tanto em suas imagens.
O catolicismo parece apenas uma religião atrasada, a julgar por "Aparecida - O Milagre". Ao não ser, claro, pela inovação teológica que consiste na introdução da figura da boa amante, na pessoa de Maria Fernanda Cândido.

APARECIDA - O MILAGRE

DIREÇÃO Tizuka Yamasaki
PRODUÇÃO Brasil, 2010
COM Murilo Rosa, Maria Fernanda Cândido
ONDE nos cines Bristol, Espaço Unibanco Pompeia e circuito
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO ruim


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