São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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CONSCIENTE COLETIVO

Steve Johnson aposta nos mecanismos descentralizados como armas de Howard Dean contra Bush

Auto-organização envolve web e política

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Leia a seguir a continuação da entrevista com Steve Johnson.
 

Folha - O ser humano está se tornando menos resistente ao novo?
Steve Johnson -
Certamente, à medida que a média de aceleração tecnológica cresce, nós temos crescido mais dispostos a adotar novas formas -pense nos blogs, ninguém sabia o que eles eram há alguns anos e hoje há milhões deles. O efeito disso é que estamos nos tornando muito mais cientes dos efeitos colaterais psicológicos e sociais das novas tecnologias e novas formas de mídia. Se você viver toda a sua vida sob o domínio da TV, não notará como ela molda o mundo. Mas se mudar da televisão para a web e para sistemas de mensagens instantâneas, em dez anos começará a perceber como cada uma dessas mudanças tem seus efeitos secundários. Todos nós nos tornamos mcluhanitas hoje: não apenas porque nos lembramos do slogan "o meio é a mensagem", mas porque os meios mudam em velocidades cada vez mais rápidas, o que torna seu impacto mais visível.

Folha - Você cita os programas de computador como um dos inúmeros exemplos de organização "bottom-up". A internet e a computação pessoal já mudaram tudo?
Johnson -
Estamos apenas começando a ver todos os efeitos. O desdobramento mais interessante nos EUA é a campanha altamente baseada na internet de Howard Dean, o principal concorrente do presidente Bush para a próxima eleição. Eles usaram um número de mecanismos descentralizados para criar uma organização do tipo "enxame". Tenho bastante orgulho disso, pois algumas de suas idéias foram aparentemente inspiradas pelo meu livro. É bom ter um pequeno papel em um movimento histórico tão interessante.

Folha - Por que a internet ainda não se auto-organizou? Ou seria a lógica P2P (ponto-a-ponto) o início dessa organização?
Johnson -
A internet propriamente dita não é auto-organizável, mas as coisas construídas sobre a internet estão começando a apresentar um comportamento de auto-organização. A forma como a Amazon organiza seus livros, através da tecnologia de filtragem -quando oferecem aquelas listas "pessoas que compraram este livro também compraram..."- é uma forma de classificação "bottom-up". São as novas ferramentas que procuram as formas como os blogs se linkam entre si ou os serviços que classificam manchetes, como o Technorati e o Blogdex, que decidem o que é importante ao observar os links individuais criados pelos blogueiros -que agem de forma muito mais parecida com um enxame do que a web.

Folha - Você acredita que a internet pode ajudar a nos organizar?
Johnson -
Ela está começando a se tornar uma ferramenta poderosa para grupos e pessoas com a mesma mentalidade se reunirem. O que vemos agora com a campanha de Howard Dean, por aqui -novos tipos de grupos, novos tipos de vizinhanças se formando graças à rede. É muito animador.

Folha - A doutrina Bush é uma reação à consciência em rede?
Johnson -
Diria que é uma reação natural "contra" essa consciência. Exatamente no momento em que se torna claro que o mundo está interconectado por formas incrivelmente profundas, surge esse desejo de assumir a abordagem de superpoder patife, basicamente dizendo ao mundo: "Ou vocês estão do nosso lado ou contra nós". É deprimente. O terrorismo, contudo, é também um produto da era da emergência: grupos pequenos e espalhados com poder de fazer impérios poderosos de refém. Certa vez, ouvi o nosso secretário de Defesa, Donald Rumsfeld -que é um cara muito esperto, embora seja perigoso-, dizer que a guerra contra o terror era uma "guerra não-linear" e que ele não tinha certeza se nossos cérebros "lineares" poderiam entendê-la completamente. Foi um momento bem bizarro.

Folha - Qual o papel dos governos e países quando as pessoas desenvolverem redes pessoais e trabalharem em níveis comunitários?
Johnson -
Creio que ainda há um papel para os líderes no mundo. A melhor mistura é uma combinação da lógica de baixo para cima ("bottom-up") com a de cima para baixo ("top-down"). É o que há de genial na democracia. Todo mundo decide quem deve estar no comando. Se todo mundo estivesse decidindo tudo, você teria algo próximo de um verdadeiro estado anarquista -que seria interessante ver, mas que, suspeito, fracassaria no final.


EMERGÊNCIA: A DINÂMICA DE REDE EM FORMIGAS, CÉREBROS, CIDADES. De: Steve Johnson. Editora: Jorge Zahar. Quanto: R$ 38 (232 págs.).


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