São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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Novelas em xeque

Jefferson Coppola/Folha Imagem
O escritor Silvio de Abreu, que está buscando novos talentos e treinando-os para fazer novelas


Silvio de Abreu vê possibilidade de o gênero "acabar" e busca novos autores para a Globo; "É grave se fica sempre a mesma coisa, se não aparece nada de novo", afirma

CLÁUDIA CROITOR
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DO RIO

Um dos autores mais consagrados da Globo -são dele novelas como "Rainha da Sucata", "A Próxima Vítima" e "Guerra dos Sexos"-, Silvio de Abreu, 62, pediu à emissora um tempo para ficar sem escrever tramas. O motivo: não deixar que as novelas entrem em extinção.
O novelista resolveu se dedicar em tempo integral a descobrir novos dramaturgos. "É preciso que surjam novos talentos. Senão, as novelas vão acabar", afirma.
Abreu enumera grandes autores mortos nos últimos tempos e outros tantos que em alguns anos vão se aposentar.
Mas, segundo ele, a busca de novos nomes não é apenas para "preencher vagas". "A novela precisa se renovar para se manter. Sempre que aparece um autor novo, surge com ele algum novo estilo", afirma.
Desde abril, ele supervisiona o trabalho de João Emanuel Carneiro. Roteirista do filme "Central do Brasil", de Walter Salles, é dele a nova novela das sete, que tem estréia prevista para o dia 26. "Ele é de uma nova geração. Mesmo que não traga novos formatos, trará com certeza novas idéias de personagens", diz.
Abreu já fez o mesmo com escritores como Carlos Lombardi, Alcides Nogueira e Maria Adelaide Amaral. "Tudo o que sei de TV aprendi com ele", afirma a autora da minissérie "Um Só Coração".
Mas esses já haviam sido seus colaboradores antes do vôo solo. Com Carneiro, foi diferente. "Fui à Divisão de Recursos Artísticos da Globo [que promove oficinas periódicas para selecionar novos autores e tem um arquivo com as sinopses escritas por eles] e pedi algumas sinopses. Peguei para ler mais de 30. Li a do Carneiro, gostei e disse ao Mário Lucio Vaz [diretor-geral artístico da Globo] que queria supervisioná-lo."
A seguir trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
 

Folha - Por que o sr. decidiu ir à caça de novos autores de novela?
Silvio de Abreu -
Pedi um tempo à Globo para tentar descobrir novos autores, senão a novela vai acabar. Já perdemos muitos autores, muitos de nós já passamos dos 60, é preciso surgir novos talentos. Continuamos trabalhando, claro, mas temos que pensar no futuro. A novela é o esteio da Rede Globo, e é nossa obrigação passar o conhecimento.

Folha - Com isso existe a intenção de buscar uma renovação nas novelas, com novos formatos, novas linguagens?
Abreu -
A idéia é essa mesmo. A novela precisa se renovar para se manter. Sempre que aparece um autor novo, surge com ele algum novo estilo.
Aconteceu isso comigo, em "Guerra dos Sexos" [83], com "Dancing Days" [78, de Gilberto Braga], com o Aguinaldo Silva, com o Carlos Lombardi.
A única maneira de a novela ficar interessante é ela se renovar. É grave se fica sempre a mesma coisa, se não aparece nada de novo. Claro que continuam existindo os grandes autores já conhecidos, mas o bom é que convivam o novo e o velho.

Folha - Mas até que ponto um autor iniciante terá liberdade para trazer alguma inovação em um produto tão essencial na programação da Globo?
Abreu -
É claro que o autor não terá liberdade de inovar de primeira, porque a emissora não pode arriscar com alguém que não conhece. Mas, se ele tiver algo a dizer, com certeza fará diferença na segunda, na terceira trama que escrever. O autor tem que ficar confiante, e a emissora também.

Folha - Isso aconteceu com o sr. quando entrou na Globo?
Abreu -
Na minha primeira novela, "Pecado Rasgado" [78], eu quis colocar um monte de coisas novas, mas o diretor não permitiu. Depois de ter substituído Cassiano Gabus Mendes em "Plumas & Paetês" [80] e ter escrito com a Janete Clair, as coisas mudaram. Em "Guerra dos Sexos" [83] eu já tinha respaldo e consegui introduzir elementos novos na novela.

Folha - O que espera de um autor como João Emanuel Carneiro?
Abreu -
Acho que ele pode trazer um olhar diferente, porque ele só tem 32 anos. Mesmo que não venha com novos formatos, virão com certeza novas idéias e visões de personagens, porque ele é de uma geração diferente da geração da maioria dos autores da atualidade. Mas a idade não é tudo. Eu fiz "As Filhas da Mãe" [2001] com 60 anos [risos].

Folha - Como funciona a supervisão feita pelo sr. com um iniciante?
Abreu -
Primeiro precisa haver uma identificação entre nós, e houve, porque ele assistiu a muitas das minhas tramas.
Então peguei a sinopse, aparamos algumas arestas, remexemos na história, desenvolvemos os personagens. Claro que, se ele não aceitava uma sugestão, a última palavra era dele. Eu ajudo a executar o que está na cabeça do autor. Ele não tem prática, mas tem talento.
Escrever novela é difícil, é preciso ter visão, porque uma coisa feita no capítulo 25 vai influenciar no 125. Fiz com ele até o capítulo 36, depois deixei por conta dele.

Folha - O sr. tem planos de voltar a escrever novela em breve?
Abreu -
A Globo ainda não definiu a programação dela para 2004, então não sei o que farei. Também tenho planos de voltar para o cinema. Mas quero continuar descobrindo novos autores. Continuo lendo sinopses, já descobri mais algumas boas, mas as pessoas não estavam disponíveis. Queria que surgissem outros autores para fazer o que eu estou fazendo, é um trabalho importante.


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