São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

TPP
(Tensão pré-passarela)

Acompanhe os preparativos para a SPFW no ateliê da estilista Gloria Coelho, que cria duas coleções para o evento e toma 14 comprimidos diários

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Sentada no chão, a estilista Gloria Coelho analisa o resultado final de cada peça criada


A dez dias de se apresentar na 26ª edição da São Paulo Fashion Week, que começa hoje no prédio da Bienal, no parque Ibirapuera, na capital paulistana, a estilista Gloria Coelho, 57, (com desfile marcado para sexta-feira) conta num calendário de papel colado no batente da porta do escritório quanto tempo ainda lhe resta para finalizar todos os detalhes de sua coleção outono/inverno 2009. O som alto, com músicas de Wendy Carlos, dá dicas do ritmo frenético do trabalho que, desde o começo do ano, invade os finais de semana de costureiras, modelistas e assistentes, em uma corrida contra o relógio. "Desculpe o volume da música. Tem que ser assim pra gente ver o que fica melhor no desfile", diz Gloria.

 

"O que você acha desse short com esse casaco? E se a gente colocasse umas plumas no barrado? Deixa ver com chapéu", diz à gerente de produto Regina Zanardi, 37, que a cada dois segundos sai do escritório rumo à sala de costura e volta com novas peças nas mãos. "Vai, anda um pouco", pede à modelo Manuela Tessari, 17. Contratada para ficar o dia inteiro à disposição da estilista, ela recebe R$ 50, mais R$ 150 em roupas, para colocar e tirar as peças tamanho PP que serão apresentadas na passarela. Em cerca de três horas, serviu de cabide para mais de 20 criações, muitas vezes arrematadas apenas por alfinetes.

 

O pequeno desfile -com referências que vão de ETs ao filme "A Duquesa"- é interrompido por uma das modelistas. Gloria troca duas palavras com ela e se volta para o assistente Diego Del Rio, 20, -um jovem alto, com calça de couro apertada, barba por fazer e base no rosto. Ele comanda a execução das músicas selecionadas por um DJ para formar a trilha da apresentação. "A gente não vai colocar [a banda] Vive la Fête. Muda", manda ela, enquanto se senta no chão, munida de alfinetes, para remodelar pessoalmente uma peça. "Cadê o colar? Mas já deveria ter bordado! O desfile é na próxima semana", diz Gloria, deixando transparecer um pouco da ansiedade, amenizada por 14 comprimidos diários de "homeopatia", sessões de ioga, massagens e uma boa dose de novela "para não pensar em nada".

 

"Só fico nervosa quando estou insegura. A coleção não é um problema. São as pendências de outros departamentos que me dão angústia", conta, enquanto repensa combinações para diferentes roupas que surgem no corpo da modelo a cada minuto. São peças recém-costuradas para análise ("tá faltando um barrado nesse vestido"), a primeira versão de um dos sapatos da coleção que chega nos pés de uma assistente ("pede para inclinar mais o cano para trás") e a criação do brinde do patrocinador ("pega aquele modelo de bolsa").

 

De repente, a prova empaca por falta de bumbum. "Você não quer provar, Regina?", pergunta Gloria à gerente tamanho 40. "Vai ficar Bebel [referência à personagem de Camila Pitanga em "Paraíso Tropical']", avisa Regina, saindo para vestir a calça de couro stretch PP que estava na modelo. "A gente tem corpo de pobre, cabe tudo", continua ela, já enfiada na peça que começa a ceder nas costuras. Ajusta daqui, ajusta dali e Gloria faz mais uma tentativa. "Chama a Marilia [Biasi] pra gente ver como fica."

 

Com corpo de modelo e sem dizer palavra, Marilia, 24, sai de sua mesa na sala ao lado -onde, sem chamar muita atenção, finaliza com Camila Bertolote, 28, e Juliana Pazutti, 24, os últimos detalhes para o desfile da segunda marca da casa, a Carlota Joakina (desfile na terça)- e assume o posto de cabide. Sorte de Manuela, que aproveita para fazer uma boquinha. No cardápio, uma folha de alface, cinco rodelas de tomate, sanduíche de peito de peru e Coca. "Mas eu quero só o refri", diz ela.

 

Dentro da sala, Gloria folheia uma pasta cheia de imagens, em busca de mais referências. Outra assistente chega com amostras de tecido e a ficha de um casaco de matelassê já aprovado. "Você compraria?", pergunta à reportagem. "Depende do preço...". "Pede para fazer em preto, cinza e bege. Acho que vende bem."

 

O celular toca. É o marido, Reinaldo Lourenço, que em outro ponto do bairro vive o mesmo frenesi para se apresentar na quarta-feira. "Tô com umas dez pessoas na minha frente. Tem fila pra falar comigo. Tchau", diz ela, deixando o Blackberry do outro lado da sala. No meio do caminho, pega um outro celular e olha para o teto. "O que é isso?", pergunta, em voz alta. "É The Rakes", responde Del Rio. "Essa entra."

 

Gloria volta a atenção para o casting virtual com fotos de modelos enviadas para seu celular. "Essas são meninas baratinhas que fizeram o catálogo do Pedro [Lourenço, filho da estilista, que não participará nesta edição da SPFW]. Vamos terminar logo porque as modelos já vão chegar", diz Gloria, voltando a remodelar uma nova peça no corpo da modelo.

 

"Você acha que vai um cinto? Volta aquele pretinho", pede à assistente, enquanto solta pela enésima vez o cabelo da modelo, tentado imaginar que tipo de penteado e maquiagem usará na apresentação. "Anda um pouco. A gente podia fazer em bege pra clarear nesse ponto. Será que uma mulher que trabalha fora ia comprar uma dessas em cetim ou algodão? Fotografa pra gente ver."

 

A imagem da nova combinação logo vai parar no painel de isopor onde são colocados os cerca de 50 modelos da nova coleção, que começou a ser criada em setembro. Atrás dele, Gloria esconde fotos tiradas de jornais de algumas de suas clientes mais fiéis, muitas delas vindas do Norte e do Nordeste do país. "Deixo aqui para lembrar sempre quem são e o que querem. Elas gostam de brilho, de decotão", diz ela, tentando se conformar. "Porque não adianta eu enlouquecer muito. No Brasil, o que vende é roupa sexy. Sexy na veia."

Reportagem JULIANA BIANCHI



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