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CINEMA "CURTA A LITERATURA"
Contos rendem traduções esquemáticas
BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha
Ninguém põe em dúvida que fazer cinema é uma atividade difícil,
que demanda um esforço sobre-humano para um resultado que
muitas vezes deixa a desejar. Fazer cinema não é para qualquer
um, o que só aumenta a admiração pelos que insistem por aptidão e talento e não por simples
teimosia.
Os curtas-metragens costumam
ser os filmes que mais sofrem dessa relação ingrata entre boas intenções, dedicação e maus resultados. São, em geral, exercícios na
formação de eventuais cineastas,
e não admira que possam ser tão
mal recebidos quando apresentados como trabalhos definitivos.
Os quatro filmes do programa
"Curta a Literatura", exibidos
dentro do projeto "Curta às Seis",
no Espaço Unibanco, são baseados em obras literárias. "Um Estrangeiro em Porto Alegre"
(1999), de Fabiano de Souza, é o
único que não se propõe a adaptar um texto literário, embora faça
referência direta ao romance "O
Estrangeiro" ao reconstituir livremente uma visita de Albert Camus a Porto Alegre, em 1949: depois de uma briga, o escritor francês acaba matando um homem
que não conhece, numa praia do
Rio Grande do Sul, ofuscado pelo
sol gaúcho.
"Jogo da Memória" (1992), de
Denise Vieira Pinto, é inspirado
no romance "Verão no Aquário",
de Lygia Fagundes Telles. No texto de divulgação, a escritora diz
que a adaptação de Denise lembra
Bergman. Tudo gira em torno de
um um sótão metafórico onde
uma menina, órfã de mãe, se refugia entre fotos do passado familiar, fantasmas e suas próprias
fantasias.
Os diálogos simbólicos ("Pai,
você não sentia ciúmes?", pergunta a filha; "Eu fantasio aquilo que é
impossível", responde o pai; ou
ainda: "Pai, o que você acha de a
gente viver dentro desse aquário,
sem precisar se preocupar com
nada?", pergunta a filha etc.) são
reforçados pelo tom da interpretação, igualmente incrível.
"Quadrilha" (1999), de Mariangela Grando, é baseado no célebre
poema de Carlos Drummond de
Andrade. Tudo é kitsch e exagerado de propósito. A intenção era
fazer uma comédia, provavelmente de inspiração almodovariana.
De todos, "Os Camaradas"
(1997), de Bruno de André, é de
longe o mais bem resolvido e acabado, o único com domínio do
tempo narrativo cinematográfico,
embora o roteiro, baseado num
conto de Wander Piroli, seja um
tanto óbvio e repetitivo para os
breves 15 minutos de filme.
Um dos principais problemas
do curta como gênero é justamente conseguir reproduzir a
economia do conto, seu soco narrativo, sem ser esquemático. É o
que o aproxima, por vias tortas,
da "pegadinha" dos filmes publicitários.
"Os Camaradas" mostra uma
situação kafkiana durante o regime militar. Seu maior defeito é
deixar o espectador perceber já de
saída o que o protagonista leva o
filme inteiro para compreender.
Avaliação:
Ciclo: Curta às Seis
Onde: Espaço Unibanco de Cinema (Sala
4), de hoje a 2 de março, às 18h
Quanto: entrada franca
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