São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2000


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CINEMA "CURTA A LITERATURA"
Contos rendem traduções esquemáticas

BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha

Ninguém põe em dúvida que fazer cinema é uma atividade difícil, que demanda um esforço sobre-humano para um resultado que muitas vezes deixa a desejar. Fazer cinema não é para qualquer um, o que só aumenta a admiração pelos que insistem por aptidão e talento e não por simples teimosia.
Os curtas-metragens costumam ser os filmes que mais sofrem dessa relação ingrata entre boas intenções, dedicação e maus resultados. São, em geral, exercícios na formação de eventuais cineastas, e não admira que possam ser tão mal recebidos quando apresentados como trabalhos definitivos.
Os quatro filmes do programa "Curta a Literatura", exibidos dentro do projeto "Curta às Seis", no Espaço Unibanco, são baseados em obras literárias. "Um Estrangeiro em Porto Alegre" (1999), de Fabiano de Souza, é o único que não se propõe a adaptar um texto literário, embora faça referência direta ao romance "O Estrangeiro" ao reconstituir livremente uma visita de Albert Camus a Porto Alegre, em 1949: depois de uma briga, o escritor francês acaba matando um homem que não conhece, numa praia do Rio Grande do Sul, ofuscado pelo sol gaúcho.
"Jogo da Memória" (1992), de Denise Vieira Pinto, é inspirado no romance "Verão no Aquário", de Lygia Fagundes Telles. No texto de divulgação, a escritora diz que a adaptação de Denise lembra Bergman. Tudo gira em torno de um um sótão metafórico onde uma menina, órfã de mãe, se refugia entre fotos do passado familiar, fantasmas e suas próprias fantasias.
Os diálogos simbólicos ("Pai, você não sentia ciúmes?", pergunta a filha; "Eu fantasio aquilo que é impossível", responde o pai; ou ainda: "Pai, o que você acha de a gente viver dentro desse aquário, sem precisar se preocupar com nada?", pergunta a filha etc.) são reforçados pelo tom da interpretação, igualmente incrível.
"Quadrilha" (1999), de Mariangela Grando, é baseado no célebre poema de Carlos Drummond de Andrade. Tudo é kitsch e exagerado de propósito. A intenção era fazer uma comédia, provavelmente de inspiração almodovariana.
De todos, "Os Camaradas" (1997), de Bruno de André, é de longe o mais bem resolvido e acabado, o único com domínio do tempo narrativo cinematográfico, embora o roteiro, baseado num conto de Wander Piroli, seja um tanto óbvio e repetitivo para os breves 15 minutos de filme.
Um dos principais problemas do curta como gênero é justamente conseguir reproduzir a economia do conto, seu soco narrativo, sem ser esquemático. É o que o aproxima, por vias tortas, da "pegadinha" dos filmes publicitários.
"Os Camaradas" mostra uma situação kafkiana durante o regime militar. Seu maior defeito é deixar o espectador perceber já de saída o que o protagonista leva o filme inteiro para compreender.


Avaliação:  

Ciclo: Curta às Seis Onde: Espaço Unibanco de Cinema (Sala 4), de hoje a 2 de março, às 18h Quanto: entrada franca


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