São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"MAR ADENTRO"

Ator diz que mudou a maneira de encarar a vida após protagonizar novo longa de Alejandro Amenábar

Javier Bardem enfrenta medo da morte

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

O ator Javier Bardem diz ter medo da morte. Mas isso não o impediu de fazer uma impressionante atuação em "Mar Adentro", que estréia hoje no Brasil, sobre a história real de Ramón Sampedro, marinheiro galego que ficou tetraplégico e passou a lutar com determinação inabalável pelo direito de dar cabo da própria vida.
Não por acaso, Bardem é considerado o melhor ator espanhol da atualidade pelo diretor Alejandro Amenábar, que fez um filme diferente de seus anteriores -"Preso na Escuridão" e "Os Outros"-, com um enredo dramático e toques de comédia, fugindo do suspense ou "thriller" psicológico.
"Bardem tem ambição, energia, talento. Provou isso em "Mar Adentro" ao conseguir se transformar numa pessoa completamente diferente", afirma Amenábar, chileno radicado na Espanha, que é co-autor do roteiro e também compôs a trilha sonora.
Bardem conta que, quando Amenábar lhe ofereceu o papel, se assustou. Não era para menos. Bardem tem 35 anos, quase 20 a menos que Sampedro quando este conseguiu se matar com a ajuda de amigos, em 1998. Além disso, o ator teve de aprender o difícil sotaque da Galícia e seus recursos de interpretação se limitavam a movimentos faciais e ao uso da voz.
Modesto, chega a dizer que a maquiadora britânica Jo Allen fez 50% do seu trabalho. Bardem, que enfrentou cinco horas diárias de maquiagem e até dez de filmagem, diz que interpretar Sampedro -de quem ele guarda uma foto que leva para todos os lados- mudou a maneira como ele encara a vida: "Acho que adotei uma forma mais tranqüila de lidar com as coisas", diz.
Apesar de todos os elogios que tem recebido, Bardem não é o único a colecionar louros por "Mar Adentro", que tem faturado prêmios importantes no mundo. Ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza, no ano passado, quando Bardem também foi escolhido melhor ator.
Depois, foi a vez de o Conselho Nacional de Críticos dos EUA eleger "Mar Adentro" como o melhor filme estrangeiro de 2004. Em janeiro, voltou a vencer nessa categoria no Globo de Ouro.
No próximo dia 27, "Mar Adentro" concorre a outras estatuetas -filme estrangeiro e maquiagem- no Oscar. Hollywood apenas por Hollywood, no entanto, não atrai ator nem diretor, que dizem estar mais interessados em bons projetos do que em riqueza e glamour. "O difícil é conseguir estar nos poucos bons projetos que surgem", diz Bardem.
O ator evita críticas ao cinema norte-americano, mas reclama da pequena oferta de roteiros interessantes e se diz saturado de alguns diretores "ditadores", cujos nomes ele não cita. "Não preciso disso. Não sou milionário, mas tenho uma casa. Se puder escolher, vou preferir trabalhar em projetos dos quais eu me orgulhe", diz.
Ele elenca como seus melhores trabalhos os filmes "Mar Adentro", "Segunda-Feira ao Sol", "Guerrilha sem Face" e "Antes do Anoitecer" (que lhe rendeu uma indicação ao Oscar).
A conta deixa de fora "Carne Trêmula", do espanhol Pedro Almodóvar, mas Bardem se explica: "Eu me sinto mais confortável como ator desde "Antes do Anoitecer", mas Almodóvar é um gênio, trabalhar com ele é uma honra".
Já Amenábar diz que a fragmentada indústria européia está ameaçada pelo cinema de Hollywood e o cinema, de forma geral, pela pirataria. "Como um espectador, gostaria de ver coisas novas, me aborreço de assistir apenas aos filmes de Hollywood o tempo todo", diz o diretor.
Mas, quando o assunto são as críticas de setores conservadores a "Mar Adentro", Bardem fica mais agressivo e Amenábar, diplomático. O ator não poupa críticas à Igreja Católica por sua reação: "A igreja criticou sem nem ter visto o filme. Por isso não respeito a opinião da igreja. Como você pode criticar algo que nem viu?", questiona ele.
Bardem afirma que a sociedade está sempre mais preparada do que as instituições para aceitar mudanças e idéias novas. Isso explica o sucesso de "Mar Adentro" entre a população espanhola, segundo ele. Amenábar se limita a dizer que já esperava a polêmica.


Texto Anterior: Literatura: Salman Rushdie virá para festival de Parati
Próximo Texto: Crítica: Sem seu estilo, Amenábar naufraga
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.