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CRÍTICA
Sem seu estilo, Amenábar naufraga
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
É uma pena. Alejandro Amenábar não resistiu.
Até aqui, tudo vinha bem. Com
três inventivos thrillers, o violento
e voyeristico "Tesis" (1996), a semi-ficção científica "Abre los
Ojos" (1997) e o fantasmagórico
"Os Outros" (2001), o talentoso
diretor espanhol havia despontado como verdadeira sensação.
Tudo porque lograra tocar o
grande público sem comprometer o universo e a linguagem próprios que criara, sob a inspiração
de um sopro hitchcokiano.
Em "Mar Adentro", porém, tudo vai por água abaixo (com o
perdão do trocadilho). Baseado
na história real de Ramón Sampedro, um galego tetraplégico que
lutou pela eutanásia e acabou por
cometer suicídio após quase 30
anos imobilizado, Amenábar caiu
no caldeirão do que se produz hoje no cinema dos EUA.
O filme é mais uma cinebiografia a somar-se às tantas (boas ou
más) que correm atrás de estatuetas no Oscar deste ano -como
"O Aviador" (sobre Howard Hugues), "Em Busca da Terra do
Nunca" (sobre J.M. Barrie) ou
"Kinsey" (sobre o mesmo).
Já apontadas como sinal de falta
de criatividade dos roteiristas, as
cinebiografias ou lançam mão do
êxito fácil de retratar uma celebridade ("Ray", sobre Ray Charles),
ou se ancoram em "grandes questões polêmicas" que podem "levantar uma discussão" na sociedade, como é o caso "Kinsey"
(que fala de sexo e, indiretamente,
de política) ou deste "Mar Adentro", onde o tema é a eutanásia.
Sampedro (Javier Bardem) é
um sujeito boa-praça, irônico,
mordaz e amistoso. Sua família é
carinhosa, dedicada a cuidar dele
e a amenizar sua condição.
Amenábar se esforça, então, para criar a idéia de que este não se
trata de um "típico suicida" (se isso existe) ou alguém que não tem
porque não se interessar pela vida. Pede para torcermos para que
Ramón abandone a sua determinação de morrer, se apaixone por
uma das duas mulheres que, cada
qual a seu modo, tentam ajudá-lo,
e que viva feliz para sempre.
Enquanto isso, a discussão sobre o direito ou não de cada um
dar fim à própria vida caso julgue
não ter como vivê-la dignamente
se esvai no romantismo com que
tanto a doença como a morte são
empacotados. Algo que chega ao
ápice em cenas -de gosto um
tanto duvidoso- em que Ramón
voa pela janela ao som de uma trilha composta com elementos de
música tradicional galega.
As atuações, é verdade, valem o
ingresso. Bardem, só pela cena final, merecia o Oscar para o qual
sequer foi indicado. E quem quase rouba a cena é Mabel Rivera,
que faz de modo tocante a cunhada que dedica a vida a cuidar de
um homem que só quer morrer.
Mas um bom casting e uma boa
direção de atores é pouco para um
cineasta que começou trilhando
um caminho tão independente.
Volte, Amenábar.
Mar Adentro
Mar Adentro
Produção: Espanha, 2004
Direção: Alejandro Amenábar
Com: Javier Bardem, Belén Rueda, Lola
Dueñas
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Cinearte, Villa-Lobos e circuito
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