São Paulo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

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CRÍTICA

Sem seu estilo, Amenábar naufraga

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

É uma pena. Alejandro Amenábar não resistiu.
Até aqui, tudo vinha bem. Com três inventivos thrillers, o violento e voyeristico "Tesis" (1996), a semi-ficção científica "Abre los Ojos" (1997) e o fantasmagórico "Os Outros" (2001), o talentoso diretor espanhol havia despontado como verdadeira sensação.
Tudo porque lograra tocar o grande público sem comprometer o universo e a linguagem próprios que criara, sob a inspiração de um sopro hitchcokiano.
Em "Mar Adentro", porém, tudo vai por água abaixo (com o perdão do trocadilho). Baseado na história real de Ramón Sampedro, um galego tetraplégico que lutou pela eutanásia e acabou por cometer suicídio após quase 30 anos imobilizado, Amenábar caiu no caldeirão do que se produz hoje no cinema dos EUA.
O filme é mais uma cinebiografia a somar-se às tantas (boas ou más) que correm atrás de estatuetas no Oscar deste ano -como "O Aviador" (sobre Howard Hugues), "Em Busca da Terra do Nunca" (sobre J.M. Barrie) ou "Kinsey" (sobre o mesmo).
Já apontadas como sinal de falta de criatividade dos roteiristas, as cinebiografias ou lançam mão do êxito fácil de retratar uma celebridade ("Ray", sobre Ray Charles), ou se ancoram em "grandes questões polêmicas" que podem "levantar uma discussão" na sociedade, como é o caso "Kinsey" (que fala de sexo e, indiretamente, de política) ou deste "Mar Adentro", onde o tema é a eutanásia.
Sampedro (Javier Bardem) é um sujeito boa-praça, irônico, mordaz e amistoso. Sua família é carinhosa, dedicada a cuidar dele e a amenizar sua condição.
Amenábar se esforça, então, para criar a idéia de que este não se trata de um "típico suicida" (se isso existe) ou alguém que não tem porque não se interessar pela vida. Pede para torcermos para que Ramón abandone a sua determinação de morrer, se apaixone por uma das duas mulheres que, cada qual a seu modo, tentam ajudá-lo, e que viva feliz para sempre.
Enquanto isso, a discussão sobre o direito ou não de cada um dar fim à própria vida caso julgue não ter como vivê-la dignamente se esvai no romantismo com que tanto a doença como a morte são empacotados. Algo que chega ao ápice em cenas -de gosto um tanto duvidoso- em que Ramón voa pela janela ao som de uma trilha composta com elementos de música tradicional galega.
As atuações, é verdade, valem o ingresso. Bardem, só pela cena final, merecia o Oscar para o qual sequer foi indicado. E quem quase rouba a cena é Mabel Rivera, que faz de modo tocante a cunhada que dedica a vida a cuidar de um homem que só quer morrer.
Mas um bom casting e uma boa direção de atores é pouco para um cineasta que começou trilhando um caminho tão independente.
Volte, Amenábar.


Mar Adentro
Mar Adentro
  
Produção: Espanha, 2004
Direção: Alejandro Amenábar
Com: Javier Bardem, Belén Rueda, Lola Dueñas

Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Cinearte, Villa-Lobos e circuito


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