São Paulo, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

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O rei está nu

Prestes a completar 50 anos, Morrissey aparece nu em foto e lança seu melhor disco desde 1994

Fotos Divulgação
O cantor inglês Morrissey (centro), com integrantes de sua banda

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Morrissey peladão? Nem em pesadelo os fãs do cantor inglês, célebre nos anos 80 pela imagem de assexuado e tímido, poderiam imaginar que ele apareceria assim, só com um disquinho a lhe cobrir as partes íntimas, no encarte de seu mais recente single, "I'm Throwing My Arms Around Paris".
Estaria Morrissey, 50 anos em 22 de maio, ficando gagá? A julgar pelo novo álbum, "Years of Refusal" (Anos de recusa), talvez as expressões mais corretas sejam "perdendo a vergonha" ou "redescobrindo a inconsequência juvenil". Com rocks vigorosos, este é seu melhor disco desde "Vauxhall and I" (94), e seu mais pesado desde "Your Arsenal" (92).
A foto pode parecer irônica ou de mau gosto, mas o fato é que Morrissey apenas está realizando no plano físico aquilo que faz desde os tempos do The Smiths. Ou seja, como se fosse uma versão chique, cool e refinada do brega Wando, ele se desnuda ao falar de amor e sentimentos escancaradamente. Nas letras de "Years of Refusal", Morrissey está vulnerável.
Depois do bom, mas tedioso "Ringleader of the Tormentors" (06), em que finalmente mostrava ser feito de carne e osso e celebrava o ato sexual, o novo trabalho traz um letrista de volta à depressão, abordando temas como a solidão, a velhice e a morte. Ainda que a temática possa soar como um regresso ao passado, na realidade é isso que seus fãs esperam: a melhor música chata, lamuriante, do planeta.

Revisão
Morrissey vive um momento de revisão da vida. Desmentiu os boatos sobre a volta do Smiths, disse que pretende escrever uma autobiografia para corrigir dados supostamente incorretos sobre sua vida divulgados pela mídia e já ameaça se aposentar, para terminar a carreira com "dignidade". O disco se inscreve nesse contexto.
Na balada "You Were Good in Your Time" (Você foi bom na sua época), há uma cruel autorreferência, que não nega o tempo que passa. O verso "Você me fez sentir menos solitário" pode ser interpretado como elogio feito por um antigo fã do Smiths. "It's Not Your Birthday Anymore" é daquelas que dão nó na garganta: "Não é mais seu aniversário/ não há mais a necessidade de ser bom com você/.../Todos os presentes que te deram/ não se comparam com o amor que/ estou te dando aqui/ agora no chão".
A novidade, desta vez, é que a sonoridade tem vida própria, independentemente das letras. "When Last I Spoke to Carol" e "One Day Goodbye Will Be Farewell", por exemplo, trazem um inusitado acento mariachi, com trompetes e violão flamenco -talvez reflexo do fato de que o cantor tem um enorme fã-clube no México.
Em faixas como "Black Cloud", "All You Need Is Me" e "I'm Throwing My Arms Around Paris" é fácil perceber a mão do produtor Jerry Finn, célebre por moldar a sonoridade punk pop de bandas como Blink 182 ou Green Day, e que já trabalhara com o cantor em "You Are the Quarry" (04).
A música de abertura, "Something Is Squeezing My Skull", fornece a chave de entendimento do álbum e da carreira de Morrissey. Ao cantar sobre drogas lícitas e "Não há amor na vida moderna/ Estou indo muito bem/ É até um milagre que eu tenha chegado tão longe", ele tenta reposicionar seu romantismo trágico dos anos 80 no contexto atual.
E com humor e ceticismo, já que não há espaço para ingenuidade na música pop de hoje.


YEARS OF REFUSAL

Artista: Morrissey
Gravadora: Decca/Polydor
Quanto: R$ 45, em média (importado)
Avaliação: bom



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