São Paulo, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

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MÚSICA

Crítica/"Nelson Freire - Debussy"

Debussy pelas mãos de Freire é sublime e indispensável

CD duplo mostra que pianista brasileiro transcende repertório dos românticos

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Existe um Nelson Freire além do romantismo. Dedicado a Debussy, o mais recente álbum do pianista mineiro radicado em Paris mostra a habilidade e refinamento do artista ao lidar com um repertório que transcende o século 19. De fato, pela sonoridade rica e generosa, assim como pelo virtuosismo, Freire é constantemente associado aos autores românticos.
Foi com um disco dedicado aos concertos para piano e orquestra de Johannes Brahms (1883-1897) que ele venceu o Gramophone Awards, em 2007. O novo álbum duplo saiu pela Decca/Universal, com a qual o pianista tem contrato desde 2002, e pela qual vem gravando o repertório do século 19, de Robert Schumann (1810-1856) e Frédéric Chopin (1810-1849).
É na especial afinidade de Nelson Freire com este último compositor, talvez, que devemos buscar a chave para seu Debussy tão especial. Embora nascido na Polônia, Chopin passou na capital francesa seus anos de maturidade artística, onde foi ativo não apenas como intérprete, mas também na qualidade de pedagogo.

Continuidade
A linha de continuidade entre ambos os compositores é representada por Mauté de Fleurville, sogra do poeta Paul Verlaine (1844-1896) e primeira professora de piano de Claude Debussy (1862-1918), que dizia ter sido aluna de Chopin. Fosse isso ou não verdade, o fato é que ela passou para o jovem Debussy valores tipicamente associados ao estilo chopiniano -especialmente a naturalidade do gesto pianístico, com uma suavidade e uma simplicidade nos ataques que evidenciava o oposto dos grandes estrondos e arrebatamentos da tradição representada pelos virtuoses na linha de Franz Liszt (1811-1886).
Gradualmente, contudo, Debussy passou a incorporar também a virtuosidade da escrita de Liszt em suas composições para o teclado, e o primeiro caderno dos "Prelúdios" (1910), que Nelson Freire gravou, parece unir o jogo de sutilezas que sempre marcou o compositor a passagens de uma complexidade técnica que só o virtuosismo lisztiano permitiria enfrentar.
Freire tocou oito dos 12 prelúdios em seu recital paulistano, no ano passado, no Cultura Artística. Ouvi-lo executando em estúdio a série completa só faz aumentar o espanto diante de seu absoluto controle do teclado -e dos pedais, utilizados com bom gosto e inteligência.

Riqueza caleidoscópica
Freire constrói um Debussy de sutilezas finíssimas, capaz de distinguir os infinitos graus de dinâmica que existem entre o pianíssimo e o piano -como podemos ouvir, por exemplo, no feérico "Des Pas sur la Neige" (passos sobre a neve).
Dono, ainda, de um repertório aparentemente ilimitado de ataques, ele consegue uma paleta de cores de riqueza caleidoscópica -ouça-se, por exemplo, a variedade de timbres do início de "Les Collines d'Anacapri" (as colinas de Anacapri). E, quando requeridos, estão ali ainda tanto a sonoridade robusta e sustentada (nunca "La Cathédrale Engloutie", ou a catedral submersa, soou tão monumental), quanto a virtuosidade traduzida em agilidade dos dedos ("Ce Qu'a Vu le Vent d'Ouest", ou seja, aquele que viu o vento do oeste).
O disco traz ainda uma leitura serelepe da suíte "Children's Corner", que Debussy escreveu para Chou-Chou, sua filha de três anos de idade, e que termina com um "cakewalk", dança afro-americana que o compositor usa para satirizar "Tristão e Isolda", de Richard Wagner.
A última faixa é a mais célebre melodia do autor francês: "Claire de Lune", que tem tudo para se tornar um sucesso de vendas entre aqueles que já desencanaram do CD e compram música via download. No suporte físico, ou no digital, o Debussy de Nelson Freire é tão sublime quanto indispensável.


NELSON FREIRE - DEBUSSY

Gravadora: Decca/Universal (importado)
Onde comprar: www.prestoclassical.co.uk
Quanto: US$ 14 (R$ 32), mais taxas
Avaliação: ótimo



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