|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Crítica/"Nelson Freire - Debussy"
Debussy pelas mãos de Freire é sublime e indispensável
CD duplo mostra que pianista brasileiro transcende repertório dos românticos
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Existe um Nelson Freire
além do romantismo.
Dedicado a Debussy, o
mais recente álbum do pianista
mineiro radicado em Paris
mostra a habilidade e refinamento do artista ao lidar com
um repertório que transcende
o século 19. De fato, pela sonoridade rica e generosa, assim
como pelo virtuosismo, Freire
é constantemente associado
aos autores românticos.
Foi
com um disco dedicado aos
concertos para piano e orquestra de Johannes Brahms (1883-1897) que ele venceu o Gramophone Awards, em 2007.
O novo álbum duplo saiu pela
Decca/Universal, com a qual o
pianista tem contrato desde
2002, e pela qual vem gravando
o repertório do século 19, de
Robert Schumann (1810-1856)
e Frédéric Chopin (1810-1849).
É na especial afinidade de
Nelson Freire com este último
compositor, talvez, que devemos buscar a chave para seu
Debussy tão especial. Embora
nascido na Polônia, Chopin
passou na capital francesa seus
anos de maturidade artística,
onde foi ativo não apenas como
intérprete, mas também na
qualidade de pedagogo.
Continuidade
A linha de continuidade entre ambos os compositores é
representada por Mauté de
Fleurville, sogra do poeta Paul
Verlaine (1844-1896) e primeira professora de piano de Claude Debussy (1862-1918), que dizia ter sido aluna de Chopin.
Fosse isso ou não verdade, o
fato é que ela passou para o jovem Debussy valores tipicamente associados ao estilo chopiniano -especialmente a naturalidade do gesto pianístico,
com uma suavidade e uma simplicidade nos ataques que evidenciava o oposto dos grandes
estrondos e arrebatamentos da
tradição representada pelos
virtuoses na linha de Franz
Liszt (1811-1886).
Gradualmente, contudo, Debussy passou a incorporar também a virtuosidade da escrita
de Liszt em suas composições
para o teclado, e o primeiro caderno dos "Prelúdios" (1910),
que Nelson Freire gravou, parece unir o jogo de sutilezas que
sempre marcou o compositor a
passagens de uma complexidade técnica que só o virtuosismo
lisztiano permitiria enfrentar.
Freire tocou oito dos 12 prelúdios em seu recital paulistano, no ano passado, no Cultura
Artística. Ouvi-lo executando
em estúdio a série completa só
faz aumentar o espanto diante
de seu absoluto controle do teclado -e dos pedais, utilizados
com bom gosto e inteligência.
Riqueza caleidoscópica
Freire constrói um Debussy
de sutilezas finíssimas, capaz
de distinguir os infinitos graus
de dinâmica que existem entre
o pianíssimo e o piano -como
podemos ouvir, por exemplo,
no feérico "Des Pas sur la Neige" (passos sobre a neve).
Dono, ainda, de um repertório aparentemente ilimitado de
ataques, ele consegue uma paleta de cores de riqueza caleidoscópica -ouça-se, por exemplo, a variedade de timbres do
início de "Les Collines d'Anacapri" (as colinas de Anacapri).
E, quando requeridos, estão
ali ainda tanto a sonoridade robusta e sustentada (nunca "La
Cathédrale Engloutie", ou a catedral submersa, soou tão monumental), quanto a virtuosidade traduzida em agilidade
dos dedos ("Ce Qu'a Vu le Vent
d'Ouest", ou seja, aquele que
viu o vento do oeste).
O disco traz ainda uma leitura serelepe da suíte "Children's
Corner", que Debussy escreveu
para Chou-Chou, sua filha de
três anos de idade, e que termina com um "cakewalk", dança
afro-americana que o compositor usa para satirizar "Tristão e
Isolda", de Richard Wagner.
A última faixa é a mais célebre melodia do autor francês:
"Claire de Lune", que tem tudo
para se tornar um sucesso de
vendas entre aqueles que já desencanaram do CD e compram
música via download. No suporte físico, ou no digital, o Debussy de Nelson Freire é tão sublime quanto indispensável.
NELSON FREIRE - DEBUSSY
Gravadora: Decca/Universal
(importado)
Onde comprar: www.prestoclassical.co.uk
Quanto: US$ 14 (R$ 32), mais taxas
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Ferriani estreia em CD sem se prender ao samba Próximo Texto: Freire vai retornar a Chopin Índice
|