São Paulo, quarta-feira, 18 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A crise do macho

Psicanalista e colunista da Folha, Contardo Calligaris estreia como dramaturgo em "O Homem da Tarja Preta", monólogo que inicia temporada hoje, em São Paulo

Leonardo Wen/Folha Image
O ator Ricardo Bittencourt em "O Homem da Tarja Preta"

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

A crise de identidade, mote do psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris, 60, em sua estreia como dramaturgo, estava na raiz do texto que primeiro o atraiu ao teatro. Aos 18 anos, em Milão, ele acompanhou os ensaios de uma montagem de "O Jardim das Cerejeiras", de Anton Tchecov (1860-1904), flagrante da derrocada financeira e de valores da aristocracia rural russa no começo do século 20. Calligaris substitui a aflição de uma classe pela angústia de um sujeito comum em "O Homem da Tarja Preta", que estreia hoje (para convidados), em São Paulo. Se os russos batalhavam contra a perda de prestígio, o Ricardo (interpretado por Ricardo Bittencourt) de agora se digladia com seus desejos. Casado e pai de duas crianças, ele vira noites no escritório de sua casa, conectado a chats em que assume máscaras femininas para dar vazão a desejos represados. Ao longo da madrugada insone em que transcorre a ação, o personagem retraça seu histórico sexual e tenta montar o quebra-cabeça da própria libido. Lembranças das "explicações" dadas por analistas para suas taras pontuam o testemunho, no que parece uma longa sessão de autopsicanálise.

Homem trágico
"O que ocorre hoje é que os grandes estereótipos em torno dos quais a masculinidade se estruturou, como o papel de provedor, entraram em crise. Por que características o homem contemporâneo se reconhece?", indaga Calligaris, para logo completar: "A feminilidade se reconhece por dar à luz. Já a posição do homem é mais trágica e perigosa. Talvez matar seja sua particularidade, aquilo de que se vale para ser levado a sério", sugere, citando os atiradores, sempre do sexo masculino, que fazem chacinas em escolas/universidades, como ocorreu há uma semana, na Alemanha. Para Calligaris, a orientação sexual de Ricardo importa menos do que a sua dúvida quanto ao que seja a real masculinidade, o papel que se espera que um homem desempenhe: "No fundo, a sua vontade é viver normalmente com a mulher e os filhos. Ele se força a ser a puta da internet [seu apelido no chat é CrossDresserPutaSubSP] para ser alguém, ter uma segunda identidade. Precisa dessa coisa louca", observa. Na direção, Bete Coelho diz que tentou "namorá-los [autor e ator]". "Busquei me aproximar deles, ver por seus olhos, mais do que emprestar um olhar feminino. Saber que existem essas possibilidades de fantasia para o homem e questões tão ou mais complexas do que as femininas amplia a percepção -e a paciência com eles", brinca.


O HOMEM DA TARJA PRETA

Quando: estreia hoje (para convidados); qui. e sex., às 21h; até 19/6
Onde: teatro Eva Herz (na Livraria Cultura do Conjunto Nacional - av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/3170-4059)
Quanto: R$ 20
Classificação: não indicada a menores de 16 anos



Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Heróis e seriados pontuam mostra de Romagnolo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.