|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Compositores "criaram" nossa música moderna
Artistas marcaram primeira metade do século 20
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Cem anos atrás, a música
brasileira era o maxixe, o lundu, a polca. Mesmo o anunciado primeiro samba, "Pelo Telefone", de 1917, passava longe do
que hoje classificaríamos como
o estilo. A música registrada em
disco, então uma novidade recente, se espalhava principalmente em ritmos afro sobrevividos e evoluídos na Bahia, cruzados com gêneros europeus
em voga entre os instrumentistas do Rio. Mas o Brasil evoluía
e o "zeitgeist" queria mais: nos
morros e pelas esquinas já se
fazia um outro samba, urbano,
malandro, cheio de sentidos.
Noel Rosa e Lamartine Babo
foram protagonistas do nascimento da nossa música como a
conhecemos. Com eles, tudo
era espirituoso e melódico, de
registro poético coloquial e
moderno, senso de humor como veículo para crônicas de
costumes e sensibilidade que
prescindia de formalismos românticos. Além da tradição da
música pop de sua época como
trilha para bailes de carnaval.
O Brasil moderno nasceu em
meados de 1931. Ligasse o rádio, entre os sucessos dos atualíssimos Francisco Alves, Mário Reis, Carmen Miranda, ouviria inevitavelmente Noel cantando sua "Com que Roupa?",
Lamartine com sua "Canção
para Inglês Ver". Em comum, o
gosto pelo deboche, a filosofia
da malandragem, a genial simplicidade de rimas, o futurismo
estético. No ano seguinte, comporiam juntos "A.E.I.O.U." e
separados "Teu Cabelo Não
Nega" (Lamartine) e "Coisas
Nossas" (Noel). Só o começo da
série de hits que entregariam
ao momento e à posteridade.
Até 1927, para realizar-se
qualquer registro de som, era
preciso literalmente gritar em
direção aos cones e molas que
conduziam o processo de gravação mecânica. Mas, a partir
daquele ano, novidade: os microfones elétricos davam lugar
à sutileza. Nesse processo de
modernização, Noel e Lalá foram cruciais. Não eram, nem se
pretendiam, grandes intérpretes, mas eram autores com presença e personalidade e sabiam
do lastro de suas criações.
Lamartine viveu até os 61
anos, afiou a verve humorística,
escreveu hinos futebolísticos e
se tornou canônico na história
das marchinhas. Noel não passou dos 26 e morreu quando
criava obras-primas, se aprofundando na melancolia. Com
particularidades e diferenças,
ambos carregam papéis na invenção da modernidade e a perenidade de suas canções.
Texto Anterior: Coleção Folha começa com Lamartine e Noel Próximo Texto: Crítica: "J. S. Bach "A Arte da Fuga'": Testamento musical de Bach tem versão para dois cravos Índice
|