São Paulo, quinta-feira, 18 de março de 2010

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Compositores "criaram" nossa música moderna

Artistas marcaram primeira metade do século 20

RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cem anos atrás, a música brasileira era o maxixe, o lundu, a polca. Mesmo o anunciado primeiro samba, "Pelo Telefone", de 1917, passava longe do que hoje classificaríamos como o estilo. A música registrada em disco, então uma novidade recente, se espalhava principalmente em ritmos afro sobrevividos e evoluídos na Bahia, cruzados com gêneros europeus em voga entre os instrumentistas do Rio. Mas o Brasil evoluía e o "zeitgeist" queria mais: nos morros e pelas esquinas já se fazia um outro samba, urbano, malandro, cheio de sentidos.
Noel Rosa e Lamartine Babo foram protagonistas do nascimento da nossa música como a conhecemos. Com eles, tudo era espirituoso e melódico, de registro poético coloquial e moderno, senso de humor como veículo para crônicas de costumes e sensibilidade que prescindia de formalismos românticos. Além da tradição da música pop de sua época como trilha para bailes de carnaval.
O Brasil moderno nasceu em meados de 1931. Ligasse o rádio, entre os sucessos dos atualíssimos Francisco Alves, Mário Reis, Carmen Miranda, ouviria inevitavelmente Noel cantando sua "Com que Roupa?", Lamartine com sua "Canção para Inglês Ver". Em comum, o gosto pelo deboche, a filosofia da malandragem, a genial simplicidade de rimas, o futurismo estético. No ano seguinte, comporiam juntos "A.E.I.O.U." e separados "Teu Cabelo Não Nega" (Lamartine) e "Coisas Nossas" (Noel). Só o começo da série de hits que entregariam ao momento e à posteridade.
Até 1927, para realizar-se qualquer registro de som, era preciso literalmente gritar em direção aos cones e molas que conduziam o processo de gravação mecânica. Mas, a partir daquele ano, novidade: os microfones elétricos davam lugar à sutileza. Nesse processo de modernização, Noel e Lalá foram cruciais. Não eram, nem se pretendiam, grandes intérpretes, mas eram autores com presença e personalidade e sabiam do lastro de suas criações.
Lamartine viveu até os 61 anos, afiou a verve humorística, escreveu hinos futebolísticos e se tornou canônico na história das marchinhas. Noel não passou dos 26 e morreu quando criava obras-primas, se aprofundando na melancolia. Com particularidades e diferenças, ambos carregam papéis na invenção da modernidade e a perenidade de suas canções.


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