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NELSON ASCHER
Os leitores futuros
Pais e professores enfrentam
freqüentemente um problema cuja solução não é nem fácil
nem óbvia: como fazer seus respectivos filhos ou alunos lerem,
como fazê-los gostar da leitura?
A revolução contemporânea
nos meios de comunicação tornou a leitura mais, não menos,
importante. Por exemplo, por
mais "user-friendly" que a internet seja, não há dúvida de que alguém habituado a ler é capaz de
aproveitar seus recursos muito
melhor. E a multiplicação paralela dos meios audiovisuais, com
sua opulência de informações
não raro contraditórias, requer
igualmente uma capacidade de
"ler nas entrelinhas".
Ocorre que a prática da leitura
na idade adequada parece embutir no cérebro das crianças um
"software" específico, uma espécie
de mecanismo subliminar que
lhes permitirá depois acompanhar mais proveitosamente outras formas de narrativa, como o
cinema. Gente que freqüente livros não apenas "mata", digamos, a trama de um "thriller" antes, mas também arquiva na memória cenas e seqüências que os
menos afeitos à leitura esquecem
logo. Já o teatro, o cinema e a televisão, ao que tudo indica, não inserem mecanismos semelhantes
na mente de seu público. Resulta
disso que, se a leitura prepara alguém para se tornar um bom cinéfilo, o contrário não se verifica.
Quanto ao aprendizado de disciplinas variadas, existem estudantes que as assimilam melhor
na sala de aula e outros que preferem o estudo solitário. Seja como
for, esta última opção é a que lhes
abre o leque mais amplo de possibilidades e lhes dá maior autonomia. E, por excelente que seja o
professor, matéria nenhuma é
plenamente aprendida sem seu
estudo em casa. O objetivo de
uma boa educação é tanto o de
fornecer às crianças e jovens informações essenciais como prepará-los para se informarem por
conta própria.
Nada disso, porém, começa sequer a ser concebível sem a leitura, ou melhor, sem seu hábito que
combine desenvoltura e prazer. E,
como sucede com todo o resto, há
uma idade apropriada na qual
tal interesse deve ser ativado. Como fazê-lo?
Algumas gerações atrás, quando os livros eram simultaneamente onde se estocava o conhecimento e um dos principais instrumentos de lazer, talvez fosse mais
simples do que hoje. Ao contrário
do que previam os profetas do
apocalipse, o acúmulo de invenções e novas tecnologias não
eclipsou a centralidade da cultura letrada e, por enquanto, nem
sequer a do papel impresso. Mas,
sobretudo em idades formativas,
elas são fortes competidoras que
podem desviar a atenção das
crianças, levando-as a relegarem
os livros ao segundo plano. E,
quando elas buscam recuperar o
tempo perdido, às vezes já é tarde
demais.
Inúmeros métodos vêm sendo
continuamente experimentados,
com resultados entre ruins e péssimos. Banir de casa o aparelho
de televisão quase nunca dá certo.
Subornar os jovens leitores potenciais com recompensas variadas
tampouco está entre as boas
idéias. Simplesmente obrigá-los a
ler traz em si o perigo de torná-los
alérgicos a essa atividade. E então?
A má notícia é que há bem pouco que pais ou professores possam
fazer. Em geral, o modo mais seguro que eles têm de estimular a
leitura é dando o exemplo, ou seja, lendo. Outro estratagema que,
em certos casos funciona, é o de
sonegar informações que as
crianças possam obter sozinhas.
Em vez de lhes explicar uma palavra, é sempre útil mandar que as
procurem no dicionário ou através do Google. Ao fim e ao cabo,
existem apenas dois grupos capazes de levar as crianças a lerem ou
lerem mais: os colegas ou a turma
e os escritores.
Sabe-se agora (e sabia-se antes
que aparecessem educadores e pedagogos) que a influência exercida pelas crianças entre si é tão vital quanto a dos adultos. Se todos
os colegas de um garoto tocam algum instrumento, ele se sentirá
tentado a emulá-los. E o mesmo
se aplica à literatura. Quem quiser encorajar seu filho a ler deve
pô-lo em contato com outras
crianças que gostem de ler. Isso,
contudo, somente transfere o problema do plano individual para o
grupal.
Se há uma solução, ela está nas
mãos dos escritores. Há uma correlação óbvia entre, por um lado,
lugares e épocas que geraram boa
literatura infantil ou juvenil e,
por outro, a dimensão e a qualidade do público leitor. Grandes
escritores não são produzidos industrialmente ou nas provetas e
seu surgimento depende do acaso.
Ainda assim, quando aparecem,
eles contribuem decisivamente
para criar sua audiência.
Todos os romancistas gostariam de ser Proust ou Joyce ou
Thomas Mann e todos os poetas
escreveriam, se pudessem, obras
como as de Drummond ou Fernando Pessoa. Pouquíssimos chegam sequer perto. Mas a literatura infantil e juvenil permite uma
margem distinta de manobra,
sua criação pode ser aprendida.
Falava-se bastante, no século
que passou, de coisas como a responsabilidade social do escritor.
Ninguém mais liga muito para
essa conversa, entre outras razões
porque boa parte da tal responsabilidade se traduzia em servir regimes despóticos e louvar tiranos,
transformando autores em lacaios de poderes não excessivamente democráticos. Todavia, se
não responsabilidades, os profissionais das letras têm, sim, interesses sociais, e entre estes se encontra o de formar novas gerações de leitores.
A qualidade dos livros infantis e
juvenis publicados no Brasil durante os decênios recentes não nos
leva a nos ufanarmos de nosso
país. Romancistas, contistas e
poetas que desejem assegurar a
existência de leitores futuros não
estariam perdendo tempo caso se
empenhassem em escrever, de
quando em quando, bons livros
para as crianças e adolescentes.
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