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LIVROS
Crítica/"Bili com Limão Verde na Mão"
Pignatari faz conto de fadas multimídia para adolescentes
Obra de muitas cores e formas, como num videogame, mostra técnica do autor com palavras
MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Bili com Limão Verde na Mão", lançado pela Cosac Naify,
é um livro juvenil, com jogo de
poesia e prosa, em excepcional
edição de formas, cores, tamanhos e tipos de letra, pop-ups,
cortes multimídia de versos e
estrofes, revelando a variabilidade no trato com as palavras e
a técnica de seu autor, Décio
Pignatari.
O projeto gráfico é de Luciana Facchini, com edição de Augusto Massi e Isabel Coelho. Na
história, a protagonista é a poesia, e, na aventura, inúmeras referências literárias, musicais e
plásticas, como o urubu de Augusto dos Anjos e a cantora Billie Holiday, misturam-se às
peripécias de uma garota de 13
anos, que brinca com um limão
na mão, adormece e acorda, entrando e saindo de mundos encantados -e surreais, como no
livro e filme "A Fantástica Fábrica de Chocolate", de Roald
Dahl, dirigido por Tim Burton.
O poeta Pignatari, 82, foi um
dos inventores da poesia concreta, ao lado de Augusto de
Campos, Ferreira Gullar e Haroldo de Campos, entre outros
artistas. Destaca-se como semioticista, teórico da comunicação e das artes, tradutor e escritor de prosa, incluindo nela
um modo singular de pensar o
signo poético, quebrando versos e fundindo-os numa "prosética", conforme descreve Rinaldo Gama na tese "Ficção
Multimídia: Teoria e Prática da
Narrativa Literária em Décio
Pignatari" (2004).
Seu novo livro é um conto de
fadas perfeitamente adaptável
a uma tela de hipermídia -narrativas múltiplas e interação,
como num videogame, com cenários que modificam os contornos dos personagens e deixam à mostra a lógica paradoxal da linguagem, que mais parece disparate do pensamento.
Fluxo de consciência
A narrativa de "Bili com Limão Verde na Mão" começa em
uma página escura, em letras
maiúsculas, sem pontuação, e
mostra o fluxo de consciência
da personagem. Nesse travel-ling, Bili pensa na vida, que não
estava "legal", observando, um
tanto amuada, "o portão a calçada a rua e o lado de lá da rua o
ônibus quase vazio que passava
nesse começo de tarde de outono quente uma bicicleta com
um negrão e uma negrinha no
quadro uma mulher com uma
criança no colo e outra pela saia
um garoto de skate três homens trezes soldados [...]".
Bili desperta em gigantesca
exclamação, e as ilustrações (de
Daniel Bueno) explodem lisérgicas e geométricas. Ela transporta-se a outro plano, o limão
é o objeto mágico que opera a
mudança, como o sono da Alice
de Lewis Carroll ou o pó encantado de Monteiro Lobato.
O enredo é recheado de poemas concretos, quadrinhas, parodia personagens como o corvo, de Edgar Allan Poe, o Gato
que Ri e o cavaleiro Ninguém,
de Carroll, e evoca fábulas, parlendas e refrões, com burro,
coelho, mariposas e andorinhas. A garota sonha, e o limão
fica preto. Ela viaja nas asas de
uma borboleta, aproxima-se do
pássaro Sem-Fim, que canta
que sua dor "tem fim, tem fim".
Bili viaja, com seu limão-bota-de-sete-léguas, para espaços
siderais e imaginários. As epifanias, ou descobertas, fazem do
livro um ritual de passagem para a prosa de invenção, como
uma espécie de despedida dos
signos da infância.
MÔNICA RODRIGUES DA COSTA é poeta, autora de "O que (se) Passa" (Iluminuras).
BILI COM LIMÃO VERDE NA
MÃO
Autor: Décio Pignatari Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 49 (80 págs.)
Avaliação: ótimo
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