São Paulo, sábado, 18 de abril de 2009

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LIVROS

Crítica/"Bili com Limão Verde na Mão"

Pignatari faz conto de fadas multimídia para adolescentes

Obra de muitas cores e formas, como num videogame, mostra técnica do autor com palavras

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Bili com Limão Verde na Mão", lançado pela Cosac Naify, é um livro juvenil, com jogo de poesia e prosa, em excepcional edição de formas, cores, tamanhos e tipos de letra, pop-ups, cortes multimídia de versos e estrofes, revelando a variabilidade no trato com as palavras e a técnica de seu autor, Décio Pignatari.
O projeto gráfico é de Luciana Facchini, com edição de Augusto Massi e Isabel Coelho. Na história, a protagonista é a poesia, e, na aventura, inúmeras referências literárias, musicais e plásticas, como o urubu de Augusto dos Anjos e a cantora Billie Holiday, misturam-se às peripécias de uma garota de 13 anos, que brinca com um limão na mão, adormece e acorda, entrando e saindo de mundos encantados -e surreais, como no livro e filme "A Fantástica Fábrica de Chocolate", de Roald Dahl, dirigido por Tim Burton.
O poeta Pignatari, 82, foi um dos inventores da poesia concreta, ao lado de Augusto de Campos, Ferreira Gullar e Haroldo de Campos, entre outros artistas. Destaca-se como semioticista, teórico da comunicação e das artes, tradutor e escritor de prosa, incluindo nela um modo singular de pensar o signo poético, quebrando versos e fundindo-os numa "prosética", conforme descreve Rinaldo Gama na tese "Ficção Multimídia: Teoria e Prática da Narrativa Literária em Décio Pignatari" (2004).
Seu novo livro é um conto de fadas perfeitamente adaptável a uma tela de hipermídia -narrativas múltiplas e interação, como num videogame, com cenários que modificam os contornos dos personagens e deixam à mostra a lógica paradoxal da linguagem, que mais parece disparate do pensamento.

Fluxo de consciência
A narrativa de "Bili com Limão Verde na Mão" começa em uma página escura, em letras maiúsculas, sem pontuação, e mostra o fluxo de consciência da personagem. Nesse travel-ling, Bili pensa na vida, que não estava "legal", observando, um tanto amuada, "o portão a calçada a rua e o lado de lá da rua o ônibus quase vazio que passava nesse começo de tarde de outono quente uma bicicleta com um negrão e uma negrinha no quadro uma mulher com uma criança no colo e outra pela saia um garoto de skate três homens trezes soldados [...]".
Bili desperta em gigantesca exclamação, e as ilustrações (de Daniel Bueno) explodem lisérgicas e geométricas. Ela transporta-se a outro plano, o limão é o objeto mágico que opera a mudança, como o sono da Alice de Lewis Carroll ou o pó encantado de Monteiro Lobato.
O enredo é recheado de poemas concretos, quadrinhas, parodia personagens como o corvo, de Edgar Allan Poe, o Gato que Ri e o cavaleiro Ninguém, de Carroll, e evoca fábulas, parlendas e refrões, com burro, coelho, mariposas e andorinhas. A garota sonha, e o limão fica preto. Ela viaja nas asas de uma borboleta, aproxima-se do pássaro Sem-Fim, que canta que sua dor "tem fim, tem fim".
Bili viaja, com seu limão-bota-de-sete-léguas, para espaços siderais e imaginários. As epifanias, ou descobertas, fazem do livro um ritual de passagem para a prosa de invenção, como uma espécie de despedida dos signos da infância.

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA é poeta, autora de "O que (se) Passa" (Iluminuras).


BILI COM LIMÃO VERDE NA MÃO

Autor: Décio Pignatari Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 49 (80 págs.)
Avaliação: ótimo




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