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ANÁLISE
Brasil deixa de ser só espectador
MARCOS MAGALHÃES
ESPECIAL PARA A FOLHA
O sucesso do "Peixonauta"
prenuncia um fenômeno há
muito esperado por quem lida
com o enorme depósito, semelhante ao pré-sal, contido no
subsolo da criatividade brasileira. A animação é um duto para essa riqueza que pode funcionar o ano inteiro, se compararmos com outro poderoso canalizador da criatividade, as sazonais escolas de samba.
Temos gerações e gerações
de matéria orgânica armazenada, se considerarmos que a animação brasileira está nas telas,
de forma descontínua, desde
1917, com o curtíssimo "O Kaiser", do cartunista Seth.
A explosão do "Peixonauta",
esse ser que emerge das profundidades para a atmosfera
protegido por um escafandro,
representa o início da conquista do final do caminho, da abertura da torneira que continuará
a jorrar muita energia represada para seu público.
Os 17 anos de existência do
festival Anima Mundi nos permitiram acompanhar essa evolução rumo à conquista de um
mercado para a animação brasileira. Pudemos ver como nesse período a linguagem internacional da animação foi se
adaptando a uma cultura que,
até então, estava condicionada
ao papel de espectadora.
A linguagem deixou de ser
mistério, a transferência das
tecnologias e saberes foi se fazendo de forma lúdica e sutil,
pouco a pouco, ano a ano.
Os animadores brasileiros
desvendaram cada vez mais os
caminhos criativos, estratégicos e diplomáticos para tornar
seus sonhos tão voláteis um
pouco mais concretos. Aprendemos a conversar de igual para igual, valorizar nosso capital
criativo, vender ideias por um
valor mais próximo do real, e os
parceiros internacionais pouco
a pouco foram se interessando.
Constatou-se que a animação brasileira não precisava ser
nacional, e ao mesmo tempo
sempre seria. O mundo da animação não tem constrangimentos físicos nem a lei da gravidade se obedece. Por que se
respeitariam fronteiras? No
entanto, quem vai ousar dizer
que "Peixonauta", mesmo que
fale inglês, não é brasileiro?
Nossa música está lá, estão lá
nosso ritmo, nossa cordialidade e nosso espontâneo respeito
à natureza. São estes valores
que transbordam, que fazem
diferença neste momento tão
peculiar em que a aparência e
os estilos estão tão misturados
e homogêneos no mundo todo.
O sucesso de uma série brasileira na TV é apenas um dos
mundos possíveis para a nossa
animação. "Peixonauta" não é
exatamente uma surpresa; é
uma conquista longamente trabalhada e estudada, uma corrida de revezamento, um belo
trabalho de equipe orquestrado
por uma classe hoje razoavelmente estruturada. O público
brasileiro e internacional já
percebeu, falta apenas os produtores e exibidores nacionais
se esforçarem um pouco mais
para aprender a explorar e fazer circular toda a potência
desta riqueza, que pulsa com
energia cada vez mais luminosa
no nosso subterrâneo criativo.
MARCOS MAGALHÃES é cineasta de animação
premiado em Cannes e um dos fundadores e diretores do Anima Mundi, Festival Internacional
de Animação do Brasil.
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