São Paulo, domingo, 18 de abril de 2010

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ANÁLISE

Brasil deixa de ser só espectador

MARCOS MAGALHÃES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O sucesso do "Peixonauta" prenuncia um fenômeno há muito esperado por quem lida com o enorme depósito, semelhante ao pré-sal, contido no subsolo da criatividade brasileira. A animação é um duto para essa riqueza que pode funcionar o ano inteiro, se compararmos com outro poderoso canalizador da criatividade, as sazonais escolas de samba.
Temos gerações e gerações de matéria orgânica armazenada, se considerarmos que a animação brasileira está nas telas, de forma descontínua, desde 1917, com o curtíssimo "O Kaiser", do cartunista Seth.
A explosão do "Peixonauta", esse ser que emerge das profundidades para a atmosfera protegido por um escafandro, representa o início da conquista do final do caminho, da abertura da torneira que continuará a jorrar muita energia represada para seu público.
Os 17 anos de existência do festival Anima Mundi nos permitiram acompanhar essa evolução rumo à conquista de um mercado para a animação brasileira. Pudemos ver como nesse período a linguagem internacional da animação foi se adaptando a uma cultura que, até então, estava condicionada ao papel de espectadora.
A linguagem deixou de ser mistério, a transferência das tecnologias e saberes foi se fazendo de forma lúdica e sutil, pouco a pouco, ano a ano.
Os animadores brasileiros desvendaram cada vez mais os caminhos criativos, estratégicos e diplomáticos para tornar seus sonhos tão voláteis um pouco mais concretos. Aprendemos a conversar de igual para igual, valorizar nosso capital criativo, vender ideias por um valor mais próximo do real, e os parceiros internacionais pouco a pouco foram se interessando.
Constatou-se que a animação brasileira não precisava ser nacional, e ao mesmo tempo sempre seria. O mundo da animação não tem constrangimentos físicos nem a lei da gravidade se obedece. Por que se respeitariam fronteiras? No entanto, quem vai ousar dizer que "Peixonauta", mesmo que fale inglês, não é brasileiro?
Nossa música está lá, estão lá nosso ritmo, nossa cordialidade e nosso espontâneo respeito à natureza. São estes valores que transbordam, que fazem diferença neste momento tão peculiar em que a aparência e os estilos estão tão misturados e homogêneos no mundo todo.
O sucesso de uma série brasileira na TV é apenas um dos mundos possíveis para a nossa animação. "Peixonauta" não é exatamente uma surpresa; é uma conquista longamente trabalhada e estudada, uma corrida de revezamento, um belo trabalho de equipe orquestrado por uma classe hoje razoavelmente estruturada. O público brasileiro e internacional já percebeu, falta apenas os produtores e exibidores nacionais se esforçarem um pouco mais para aprender a explorar e fazer circular toda a potência desta riqueza, que pulsa com energia cada vez mais luminosa no nosso subterrâneo criativo.


MARCOS MAGALHÃES é cineasta de animação premiado em Cannes e um dos fundadores e diretores do Anima Mundi, Festival Internacional de Animação do Brasil.


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