São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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HISTÓRIA

"CULTURA AMORDAÇADA"

Pesquisa nos arquivos também disponibiliza bancos de dados e já tem mais três volumes engatilhados

"Garimpo" no Deops vira série de livros

DA REPORTAGEM LOCAL

Com 150 mil pastas de documentos, os arquivos do Deops guardam um pouco, ou muito, de tudo. Com relação aos intelectuais, por exemplo, é possível encontrar desde uma importante lista que recomenda que sejam constantemente vigiados artistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Portinari até radiografias do rim esquerdo do escritor Geraldo Ferraz e a descrição de um homem muito perigoso, porque anda sempre com cachorros de origem russa.
É nesses gigantescos "achados e perdidos" que os historiadores Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy vêm trabalhando desde meados de 1996.
A empreitada leva o nome de Proin (Projeto Integrado Arquivo/Universidade), iniciativa que está organizando e sistematizando o acesso às centenas de milhares de documentos produzidos e armazenados pelo Departamento Estadual de Ordem Política e Social de 1924 a 1983, quando o órgão foi extinto.
O "garimpo" liderado pela professora Tucci Carneiro tem revelado uma boa média de "pepitas". Pesquisas coordenadas por ela já levantaram episódios inéditos ou pouco conhecidos da história recente do país.
Da pesquisa no Deops saíram trabalhos importantes como a documentação das atividades de simpatizantes do nazismo no Estado de São Paulo ou um estudo sobre a Shindo Renmei, sociedade formada nos anos 40 por imigrantes japoneses que não acreditavam na derrota sofrida pelo Japão durante a Segunda Guerra (que seria tema do livro "Corações Sujos", de Fernando Morais, lançado em 2000).
Pequisas como essas estão sendo publicadas na coleção Inventário Deops, parceria do Arquivo do Estado com a Imprensa Oficial (veja relação completa ao lado).
"Cultura Amordaçada", sobre a vigília da atuação dos intelectuais, é o oitavo volume da série, que já tem mais três títulos prestes a serem lançados.
Os livros não são os únicos resultados públicos da pesquisa, que atualmente movimenta 30 pesquisadores, financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP.
Já estão disponíveis, ainda que com uma pequena parte das centenas de milhares de documentos do Deops, dois bancos de dados eletrônicos, um de textos e outro de imagens.
Tucci Carneiro diz que acaba de ser aprovada verba para começar a produzir uma página de internet com o que já está sistematizado das pesquisas dos milhares de prontuários depositados no terceiro andar do prédio do Arquivo do Estado de São Paulo, no bairro de Santana.
"Ali há trabalho para muitas vidas", diz a professora de história da USP, autora de livros importantes da historiografia recente, como "O Anti-Semitismo na Era Vargas" (editora Perspectiva).
Especializada em Getúlio Vargas, Tucci Carneiro tem centralizado as investigações no período que vai de 1924, ano da criação do Deops, até o suicídio do presidente, 30 anos mais tarde.
Não há previsão por enquanto de trabalhos abordando o período do regime militar, quando a polícia política começa a ser chamada de Dops.
Os próximos livros da coleção Inventário Deops vão abordar "o perigo amarelo" -a construção da idéia de que os japoneses eram perigosos, no período da Segunda Guerra-, a "revolução no campo" -atividades subversivas do camponeses- e "na boca do sertão" -o aparato de investigação do Deops no interior paulista.
"Os temas dentro do arquivo são infinitos. Ainda é possível fazer estudos sobre os negros, as mulheres, as operárias", diz Tucci Carneiro. "Não dá para elogiar a atuação da polícia, claro, mas é graças a ela que ficou guardada a memória das diversas resistências ao autoritarismo."
(CASSIANO ELEK MACHADO)


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