São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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Pesquisa revela como a polícia política de São Paulo, o Deops, vigiava intelectuais do Estado

Idéias de risco

Patricia Santos/Folha Imagem
Sala do Arquivo do Estado de São Paulo onde ficam os documentos do Deops


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quem foi Tarsila do Amaral? "A maior e mais arrojada comunista dentre todas as comunistas nacionais." E Lasar Segall? "Costuma usar da arte para fins de propaganda do credo vermelho." O que produziu Monteiro Lobato? "Práticas deformadoras do caráter."
Essas foram, por décadas, opiniões oficiais de São Paulo sobre alguns de seus principais intelectuais. Não eram idéias de críticos ou professores, mas de delegados, e viviam trancadas nos arquivos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o Deops.
Um projeto desenvolvido por professores e alunos da Universidade de São Paulo está tirando agora, pela primeira vez, pensamentos como esses das sombras.
O resultado aparece no livro "Cultura Amordaçada", que está sendo lançado pela Imprensa Oficial e pelo Arquivo do Estado.
O trabalho, dos pesquisadores Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci e Valéria Garcia Oliveira, documenta como a polícia política de São Paulo bisbilhotou, censurou e prendeu intelectuais entre os anos de 1924 e 1954.
Esse retrato da intelectualidade propagadora de "idéias subversivas", "perigosas à segurança do regime", "idéias avançadas", termos usados na época para justificar a vigilância, tomou como moldura a vastíssima documentação do Deops, só disponibilizada para consultas em 1994.
"Cultura Amordaçada" não se limita a estudar casos de intelectuais famosos, com o trio Tarsila, Segall e Lobato. "A maioria dos diversos intelectuais ou artistas indiciados pela polícia política era composta por "cidadãos anônimos", que não faziam parte da elite intelectual já reconhecida e consagrada oficialmente", registra Andreucci.
Assim, o pesquisador abre espaço para as desventuras de nomes bem pouco mencionados: o sapateiro Francisco Arouca ("suspeito de ser anarquista"), o tipógrafo Antônio Manuel Ribeiro ("agitador comunista") ou o mecânico João Baccheto ("doente mental"), todos envolvidos com militância política em pequenos jornais.
O livro analisa como esses "intelectuais militantes da resistência" eram "presas fáceis", em parte por serem "anônimos", e como recebiam tratamento diferente do que era dado aos "famosos".
Monteiro Lobato já era bastante conhecido em 1938 quando foi condenado a pena de seis meses de prisão por manifestar "comportamento imoral e antitético". O escritor chegou a ficar dois meses na Casa de Detenção de São Paulo, até receber indulto de Getúlio Vargas. "Os anônimos dificilmente eram soltos antes do término de sua condenação", aponta Andreucci, que ampliará questões como essa no livro "Risco nas Idéias", sua tese de mestrado, que será publicado em 2003.
Andreucci também encontra disparidades na vigilância do casal "subversivo" de escritores Patrícia Galvão, a Pagu, e Oswald de Andrade. Enquanto a primeira foi presa mais de 20 vezes, o expoente da Semana de 22 só tem no seu prontuário a descrição de uma escuta telefônica e poucos recortes de jornal. Isso mesmo tendo uma peça sua, "O Homem e o Cavalo", classificada assim pelo Deops: "Sob um suposto entrecho teatral, deixa transparecer claramente sua verdadeira finalidade, isto é, a propaganda comunista".
A "propaganda vermelha" feita por meio da música é o tema do segundo ensaio de "Cultura Amordaçada".
Salientando o poder do rádio no período estudado, também até o fim da Era Vargas, Valéria Garcia de Oliveira trabalha em destaque a vigilância das atividades do Sindicato dos Músicos de São Paulo.



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