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"O MITO DO MAESTRO"
Livro de colunista britânico alia erudição e fofoca para desvendar a situação da regência musical
Norman Lebrecht derruba batutas consagradas
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"A final de contas", perguntou o cômico norte-americano Jerry Seinfeld, em episódio do seriado televisivo que levava o seu nome, "o que é que um
regente realmente faz?".
A resposta honesta a essa questão enganadoramente ingênua é,
hoje em dia, cada vez mais embaraçosa, e talvez fique ainda mais
difícil depois da leitura de "O Mito do Maestro", do britânico Norman Lebrecht, 54, colunista do
"Daily Telegraph".
Livros sobre regentes costumam ser coletâneas de hagiografias, com comparações de gravações e glorificações de seres que
são vistos como os semideuses da
música, não raramente colocando
em segundo plano os compositores, a serviço dos quais eles supostamente deveriam estar.
Nada mais distante da abordagem de Lebrecht, que virou referência sobre as mazelas que afetam a música erudita ao publicar
em 96 "When the Music Stops
Managers, Maestros and the Corporate Murder of Classical Music" (reeditado depois como
"Who Killed Classical Music?").
Em "When the Music Stops",
Lebrecht demonstra como o poder dos regentes, aliado à cobiça
dos "managers", inflacionou os
cachês de astros, levando orquestras e teatros à bancarrota.
"O Mito do Maestro", de 1992, é
publicação anterior, investiga a
construção da aura em torno dessa carreira. Nele, o autor não economiza palavras para dizer que o
maestro é mito "artificialmente
criado por um propósito não musical e fomentado por necessidade
comercial".
Herói de elite, o regente responderia a necessidades de identificação de indivíduos do sexo masculino das classes abastadas, daí, talvez, o insucesso nessa carreira de negros e mulheres, e a imposição
não-escrita de que a homossexualidade fosse sempre ocultada.
Divisão de tarefas
Mesclando erudição, reportagem e fofoca, o autor constrói um
amplo apanhado que começa no
século 19, quando começou a se
acentuar a divisão de tarefas entre
regente e compositor.
Iniciando com Hans von Bülow,
o homem que cedeu tudo a Richard Wagner (inclusive sua mulher, Cosima Liszt), e chegando
até os anos 90, Lebrecht constrói
um painel no qual há, esporadicamente, heróis, como o "mago"
Arthur Nikisch e Georg Solti.
Estão lá Gustav Mahler, com seu
tirânico, porém revolucionário
regime em Viena, abolindo o costume do aplauso entre os movimentos das sinfonias; Stokowski,
moldando sua imagem pública e
o som da Orquestra da Filadélfia;
e Arturo Toscanini, "criança não
amada que exigia ser obedecida",
um paradoxo por ter sido "Grande
Ditador" numa arte e numa sociedade que derramaram sangue,
suor e lágrimas no esforço mortal
por livrar o mundo de grandes ditadores", um antifascista que
combatia Hitler e Mussolini, mas
lhes copiava os métodos.
Karajan
Na relação entre regentes e nazismo, Lebrecht louva o talento
musical de Furtwängler, lamentando ter ele se deixado manipular pela propaganda hitlerista; o
retrato de Herbert von Karajan,
que dominou a cena musical européia no pós-guerra, é, contudo,
bem menos complacente.
Inscrito duas vezes no partido
nazista, Karajan era o maestro
que Goering usava para espezinhar Goebbels, protetor de Furtwängler. "As acusações contra ele
eram as mais graves feitas contra
qualquer músico nazista", afirma
o autor.
Ele chegou a ficar proibido de
trabalhar logo depois do final da
Segunda Guerra Mundial.
Lebrecht o compara a Hitler em
sua sede de dominação. Mais rico
e poderoso do que qualquer regente precedente, Karajan tinha,
para o autor britânico, uma "imagem de cartão-postal da estética
musical", o que dava às suas gravações uma uniformidade "entorpecedora".
A partir dele, os regentes passam a ganhar cada vez mais (há
uma instrutiva tabela de cachês),
na proporção direta em que reduzem suas atuações à frente das orquestras que dizem comandar.
Consequência: a superficialidade
das interpretações, que, aliada à
carência de jovens talentos, causa
o que Norman Lebrecht não hesita em diagnosticar como crise na
regência.
Na busca incessante pelo poder,
os maestros teriam conseguido
uma posição temporariamente
forte. "A história, no entanto, está
cheia de advertências para pequenas minorias que se aferram ao
poder", adverte.
Apocalíptico, Lebrecht chega a
falar no final da história da regência. Para ele, os "novos maestros"
seriam hoje as pessoas que realmente decidem a vida musical de
um teatro ou orquestra-funcionários públicos, "conselheiros artísticos", agentes de concerto e intermediários de patrocínio.
Sintomaticamente, o último
perfil do livro não é de um regente, mas de Ronald Wilford, presidente da Cami (Columbia Artists
Management Inc.). Graças ao
controle de mais de uma centena
de maestros, Wilford "rege os regentes" e é, para Lebrecht, quem
na verdade empunha a batuta no
mundo musical de hoje.
O Mito do Maestro
Autor: Norman Lebrecht
Editora: Civilização Brasileira
Preço: R$ 50 (571 pág.)
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