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DRAUZIO VARELLA
Um exame de sangue para prevenir ataque cardíaco
Aprendi na faculdade que
ataques cardíacos aconteciam quando as coronárias eram
entupidas por placas de colesterol.
A arteriosclerose seria consequência mecânica da deposição de placas de gordura no interior das artérias, processo irreversível e contínuo que se iniciava a partir da
adolescência. Pela teoria, quanto
mais gordura no sangue, mais rápida a velocidade de formação da
placa, maior a probabilidade de
obstrução.
Naquele final dos anos 1960, começava a adquirir popularidade
a determinação das concentrações das frações HDL e LDL do colesterol no sangue e passava-se a
atribuir a elas valor prognóstico:
o HDL seria a fração protetora ou
o "bom" colesterol, e o LDL, o
"mau". Quanto mais alto o LDL,
maior o risco de infarto do miocárdio (ataque cardíaco), derrame cerebral e complicações vasculares.
Esse conceito foi aceito pelos
médicos apesar de evidentes contradições:
1) Há pessoas que nunca infartam apesar de apresentarem placas extensas, que lhes obstruem
significativamente a luz das coronárias. Outras, portadoras de placas insignificantes, com pequeno
grau de obstrução, podem sofrer
infartos extensos.
2) Níveis altos de colesterol explicam apenas 50% dos episódios
de infarto; a outra metade dos
eventos ocorre em pessoas com
colesterol normal.
3) As estatinas, drogas que reduzem as concentrações de colesterol no sangue, administradas a
pessoas com LDL elevado diminuem a probabilidade de ataques
cardíacos e derrames cerebrais.
Mesmo indivíduos com níveis
normais de LDL, no entanto, podem se beneficiar do uso desses
medicamentos.
No início dos anos 1990, surgiu
uma linha de pesquisa nos laboratórios da Universidade de Harvard, que apresentaria explicação
racional para as contradições acima e, em poucos anos, revolucionará o campo da prevenção e do
tratamento da arteriosclerose.
Das pesquisas iniciadas por esse
grupo, emergiu o conceito de que
a arteriosclerose é um processo inflamatório. Entendê-la e tratá-la
como resultado do acúmulo passivo de colesterol nas artérias é
uma visão simplista, que deve ser
abandonada. A formação da placa é um processo ativo, consequência de uma inflamação que
se estabelece no local.
As partículas de LDL em excesso que se acumulam junto às paredes internas de uma artéria sofrem alterações químicas que induzem as células do revestimento
interno do vaso a produzir certos
mediadores, que atraem glóbulos
brancos com a finalidade de digerir essas partículas alteradas. Inicia-se no local, então, uma cadeia
de reações imunológicas que resultará na deposição de uma camada formada por gordura e glóbulos brancos. Como defesa, na
superfície dessa placa gordurosa
forma-se uma cápsula protetora,
densa, de tecido fibroso, com o intuito de isolá-la e mantê-la íntegra, emparedada na superfície do
vaso, sem interferir significativamente com o fluxo sanguíneo
(embora estreite a luz do vaso).
O infarto acontece não porque a
placa necessariamente ocluiu a
artéria afetada, mas quando
substâncias resultantes das reações inflamatórias que ocorrem
no interior da placa digerem a
cápsula protetora e provocam a
formação de coágulos, que se desprendem e são levados pela corrente sanguínea.
A caracterização da arteriosclerose como processo inflamatório
tem implicações práticas da
maior importância: as mesmas
células e moléculas envolvidas
nas inflamações, resposta a agentes infecciosos e ao trauma, estão
intimamente ligadas à gênese do
processo arteriosclerótico.
Uma dessas moléculas é a proteína C-reativa, substância presente em pequenas quantidades
no sangue de pessoas normais,
mas cuja concentração pode aumentar cem ou mil vezes na vigência de processos inflamatórios.
Como a molécula dessa proteína permanece estável por décadas no sangue estocado, nos últimos anos surgiu uma avalanche
de estudos que estabeleceram relações bem definidas entre os níveis de proteína C-reativa e o risco de acidentes cardiovasculares.
Deles, emergiram explicações
mais claras para as contradições
ligadas ao colesterol:
1) Níveis elevados de proteína
C-reativa estão associados a ataques cardíacos e a derrames cerebrais mesmo em indivíduos com
LDL baixo.
2) Níveis elevados de proteína
C-reativa guardam relação linear
com o número de acidentes cardiovasculares, isto é, quanto mais
altos os níveis, maior a probabilidade de acidentes.
3) As pessoas que têm níveis
baixos de LDL e de proteína C-reativa são as que menor risco de
doença cardiovascular apresentam. Ao contrário, as que possuem LDL e proteína C-reativa
elevados apresentam risco seis a
nove vezes maior.
4) Indivíduos com LDL baixo
que, mesmo assim, beneficiam-se
com o uso de estatinas são justamente aqueles portadores de níveis altos de proteína C-reativa,
sugerindo uma ação antiinflamatória para essa classe de drogas.
As concentrações de proteína C-reativa no sangue são coerentes
com os demais fatores de risco para doenças cardiovasculares. Seus
níveis se elevam com o fumo, com
o aumento de peso, com o diabetes, com a hipertensão arterial e
com o passar dos anos. O álcool
exerce efeito aparentemente paradoxal: os abstêmios apresentam níveis mais altos da proteína,
que caem nas pessoas que tomam
um ou dois drinques por dia e sobem significativamente nos que
exageram na bebida (distribuição que acompanha exatamente
o risco de infarto).
Além do colesterol, é claro, é
preciso controlar os níveis de proteína C-reativa em seus exames
de rotina.
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