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58º FESTIVAL DE CANNES
Em "Broken Flowers", americano subverte sistema hollywoodiano com "road movie" misturado à tradição da comédia clássica
Jarmusch faz crônica do envelhecimento
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Ninguém esperava que a primeira comédia da competição do
Festival de Cannes viesse pelas
mãos de... Jim Jarmusch! "Broken
Flowers" (flores partidas), exibido ontem, foi uma das melhores
surpresas da mostra até agora. Na
sala superlotada do Palácio dos
Festivais, a platéia de críticos
compenetrados explodiu de rir
várias vezes e aplaudiu com satisfação o novo filme do diretor norte-americano de 52 anos.
Certo, "Broken Flowers" é no
fundo uma crônica bastante melancólica sobre o envelhecimento,
a solidão e as relações complicadas entre homens e mulheres.
Mas ninguém consegue conter o
riso ao ver as atribulações do personagem interpretado por Bill
Murray e ao se deparar com os tipos extravagantes vividos por
Sharon Stone, Frances Conroy,
Jessica Lange, Tilda Swinton, Julie
Delpy e Chloë Sevigny -todas
elas deliciosas. "Broken Flowers"
é dedicado ao importante diretor
francês Jean Eustache (1938-81),
de "La Maman et la Putain".
O humor sempre compareceu
no cinema de Jarmusch. Mas, neste filme, ele é determinante, nos
diálogos e nas situações. O cineasta reúne a sua linguagem minimalista e muito pessoal -com raízes
no underground e no cinema de
autor europeu- à tradição da comédia clássica do cinema americano. Será preciso, agora, achar
um lugar para Jarmusch perto de
Howard Hawks, Leo McCarey e
Billy Wilder.
"Não tive pressões para tornar a
narrativa deste filme mais fácil e
compreensível. Ele é inteiramente
do modo como queria fazê-lo",
afirmou Jarmusch em Cannes. Ele
reclamou do isolacionismo americano, sobretudo cultural. "Creio
que Bush só viajou para fora dos
EUA depois que se tornou presidente. Os americanos vivem muito isolados e voltados para si mesmos. O que é ser um verdadeiro
americano? Os índios são verdadeiros americanos? Todo mundo
vem de algum outro lugar", disse
ele na entrevista, ao lado dos atores Bill Murray, Tilda Swinton e
Julie Delpy.
"Conversão"
É curioso que o Festival de Cannes deste ano testemunhe uma
certa conversão ao classicismo de
ao menos dois grandes diretores
"marginais" em relação ao sistema hollywoodiano -o outro é o
canadense David Cronenberg,
com "O Anjo da Morte".
Excelentes cineastas, ninguém
melhor do que eles para mostrar
aos "profissionais da profissão"
cinematográfica (nas palavras de
Godard) como se faz um bom e
legítimo filme americano. Em
ambos os casos, porém, a conversão ao clássico não é completa, e
nem poderia ser, já que são dois
diretores emblemáticos do alto
modernismo no cinema. Os filmes possuem uma série de fraturas voluntárias na representação e
terminam sem conciliar o espectador consigo mesmo.
Murray faz Don Johnston, um
Don Juan em final de carreira, que
recebe a notícia de que tem um filho de 19 anos e que o rapaz está
indo ao seu encontro. A notícia
chega numa carta muito feminina, escrita em papel cor-de-rosa
por uma ex-namorada, que não
revela a sua identidade.
Com a ajuda de um amigo metido a detetive, Don descobre onde
vivem suas antigas mulheres e vai
ao encontro delas. O filme transforma-se, então, numa espécie de
"road movie", especialidade de
Jarmusch, embalado por músicas
etíopes. Os encontros com as ex-mulheres são o melhor do filme,
construídos à base de "leitmotivs"
(como as flores e as portas de entrada), outra marca do cinema de
Jarmusch.
Murray está muito bem no papel de um personagem meditativo, que muito lentamente vai se
dando conta de que o tempo passou, a velhice bateu à porta e ele
está só, muito só.
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