São Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2007

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Cinema/estréia - Crítica/"O Hospedeiro"

Cineasta usa terror com maestria para fazer crítica social

Terceiro longa de Bong Joon-ho, recheado de simbolismos sociopolíticos, reafirma a vitalidade do cinema sul-coreano

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Tanta unanimidade por onde já passou não revela apenas a eficácia dos mecanismos de suspense e a conseqüente garantia de diversão que Bong Joon-ho oferece em seu terceiro longa, "O Hospedeiro". Seu principal segredo está na sofisticada construção narrativa, que em momento algum apela para os efeitos fáceis do susto e do terror, já que seu objetivo é distinto.
Do primeiro "King Kong" ao mais recente "Guerra dos Mundos", passando por toda a série de Godzillas e seus semelhantes japoneses, os monstros costumam ser menos criaturas de medo do que portadores de simbolismos e metáforas.
O mutante aquático de "O Hospedeiro" afirma seu parentesco com essa linhagem desde sua primeira cena. Nela, se vê um cientista americano ordenar a um assistente coreano derramar no esgoto um volume enorme de formol. Em menos de cinco minutos de projeção já ficamos sabendo do efeito dessa ação, com a aparição do monstro nas águas do rio Han.
O simbolismo político do monstro, entretanto, não se esgota na acusação simples de irresponsabilidade de caráter anti-americano. Ela se reafirma na segunda cena, na qual um executivo arruinado, antes de se jogar nas águas do rio, vê a sombra do monstro sob as águas e diz para seus auxiliares: "Seu bando de imbecis, vocês nunca entenderam nada".
E reaparecerá ao longo da trama, sob a forma de ineficácia das autoridades em eliminar o bichão, nas trapalhadas dos cientistas na caça a um suposto vírus, nas versões absurdas dos fatos difundidas pela TV, na sucessão de tentativas de suborno e culmina no uso arriscado do agente amarelo, uma arma química emprestada pelos americanos para combater ameaças de terrorismo biológico.
Diante da ineficiência dos macropoderes, a tarefa de heróis recairá sobre os tipos desajustados que compõem uma família que vive à beira do rio. Com esse agrupamento de perdedores e fracassados, Bong Joon-ho traça um perfil ainda mais crítico dos efeitos perversos do modelo econômico neoliberal na Coréia do Sul ao longo das últimas décadas. Em sua limitação, eles são os únicos com iniciativa de fato, movidos pela necessidade de resgatar a criança feita refém pelo monstro, a assumir a função de resistir, de combater a monstruosidade devoradora de humanos.

Mutante de gêneros
Para além de seus simbolismos sociopolíticos, "O Hospedeiro" também reafirma a vitalidade do cinema coreano na forma como sua trama é narrada. Trata-se, como o próprio monstro, de um filme híbrido, um mutante de gêneros. De ficção científica de acusação, o longa passa à paródia social, melodrama familiar e comédia maluca sem parecer uma colcha de retalhos na incessante mutação dos tons.
Como nos grandes momentos do cinema americano, o filme de gênero, do terror ao melodrama, funciona como máscara, ao transmitir um conteúdo crítico e uma interpretação social, e como apelo comercial, oferecendo ao público a satisfação por meio de uma combinação de estratégias narrativas fáceis de decifrar.
Tanta ambição, porém, poderia ter resultado em indigestão de fórmulas não fosse a elegante maestria de Bong Joon-ho na construção das imagens. O cineasta não perde tempo em explicitar os detalhes do monstro e investe seus recursos visuais na exploração soberba dos espaços, desde o primeiro ataque no campo livre de um parque até a claustrofobia dos esgotos.
Com seus planos longos, associados a movimentos de câmera ao mesmo tempo belos e funcionais, o cineasta alcança um patamar muito acima do mero impacto dos efeitos visuais.


O HOSPEDEIRO
Direção:
Bong Joon-ho
Produção: Coréia do Sul, 2006
Com: Song Kang-ho, Byeon Hie-bong e Park Hae-il
Quando: estréia hoje nos cines Kinoplex Itaim, Metrô Santa Cruz e circuito
Avaliação: ótimo


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