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Cinema/estréia - Crítica/"O Hospedeiro"
Cineasta usa terror com maestria para fazer crítica social
Terceiro longa de Bong Joon-ho, recheado de simbolismos sociopolíticos, reafirma a vitalidade do cinema sul-coreano
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Tanta unanimidade por
onde já passou não revela apenas a eficácia
dos mecanismos de suspense e
a conseqüente garantia de diversão que Bong Joon-ho oferece em seu terceiro longa, "O
Hospedeiro". Seu principal segredo está na sofisticada construção narrativa, que em momento algum apela para os efeitos fáceis do susto e do terror, já
que seu objetivo é distinto.
Do primeiro "King Kong" ao
mais recente "Guerra dos Mundos", passando por toda a série
de Godzillas e seus semelhantes japoneses, os monstros costumam ser menos criaturas de
medo do que portadores de
simbolismos e metáforas.
O mutante aquático de "O
Hospedeiro" afirma seu parentesco com essa linhagem desde
sua primeira cena. Nela, se vê
um cientista americano ordenar a um assistente coreano
derramar no esgoto um volume
enorme de formol. Em menos
de cinco minutos de projeção já
ficamos sabendo do efeito dessa ação, com a aparição do
monstro nas águas do rio Han.
O simbolismo político do
monstro, entretanto, não se esgota na acusação simples de irresponsabilidade de caráter anti-americano. Ela se reafirma
na segunda cena, na qual um
executivo arruinado, antes de
se jogar nas águas do rio, vê a
sombra do monstro sob as
águas e diz para seus auxiliares:
"Seu bando de imbecis, vocês
nunca entenderam nada".
E reaparecerá ao longo da
trama, sob a forma de ineficácia
das autoridades em eliminar o
bichão, nas trapalhadas dos
cientistas na caça a um suposto
vírus, nas versões absurdas dos
fatos difundidas pela TV, na sucessão de tentativas de suborno
e culmina no uso arriscado do
agente amarelo, uma arma química emprestada pelos americanos para combater ameaças
de terrorismo biológico.
Diante da ineficiência dos
macropoderes, a tarefa de heróis recairá sobre os tipos desajustados que compõem uma família que vive à beira do rio.
Com esse agrupamento de perdedores e fracassados, Bong
Joon-ho traça um perfil ainda
mais crítico dos efeitos perversos do modelo econômico neoliberal na Coréia do Sul ao longo das últimas décadas. Em sua
limitação, eles são os únicos
com iniciativa de fato, movidos
pela necessidade de resgatar a
criança feita refém pelo monstro, a assumir a função de resistir, de combater a monstruosidade devoradora de humanos.
Mutante de gêneros
Para além de seus simbolismos sociopolíticos, "O Hospedeiro" também reafirma a vitalidade do cinema coreano na
forma como sua trama é narrada. Trata-se, como o próprio
monstro, de um filme híbrido,
um mutante de gêneros. De ficção científica de acusação, o
longa passa à paródia social,
melodrama familiar e comédia
maluca sem parecer uma colcha de retalhos na incessante
mutação dos tons.
Como nos grandes momentos do cinema americano, o filme de gênero, do terror ao melodrama, funciona como máscara, ao transmitir um conteúdo crítico e uma interpretação
social, e como apelo comercial,
oferecendo ao público a satisfação por meio de uma combinação de estratégias narrativas fáceis de decifrar.
Tanta ambição, porém, poderia ter resultado em indigestão
de fórmulas não fosse a elegante maestria de Bong Joon-ho na
construção das imagens. O cineasta não perde tempo em explicitar os detalhes do monstro
e investe seus recursos visuais
na exploração soberba dos espaços, desde o primeiro ataque
no campo livre de um parque
até a claustrofobia dos esgotos.
Com seus planos longos, associados a movimentos de câmera ao mesmo tempo belos e funcionais, o cineasta alcança um
patamar muito acima do mero
impacto dos efeitos visuais.
O HOSPEDEIRO
Direção: Bong Joon-ho
Produção: Coréia do Sul, 2006
Com: Song Kang-ho, Byeon Hie-bong e Park Hae-il
Quando: estréia hoje nos cines Kinoplex Itaim, Metrô Santa Cruz e circuito
Avaliação: ótimo
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