São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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Record amplia estúdios para ser sombra da Globo

Audiência e dimensões ainda são bem menores do que as da líder, mas instalações vêm se multiplicando com rapidez

No Projac, funcionários são orientados a não abordar artistas; no RecNov, diretor se empolga com novidades e até erra de porta em visita


PAULO SAMPAIO
DA SUCURSAL DO RIO

Desde que a televisão brasileira submeteu sua programação aos números, não se via uma disputa tão desatinada. Em uma emissora, o "caso Isabella" invade o campo de futebol em pleno jogo São Paulo x Nacional do Uruguai, interrompe a transmissão mais popular do Brasil e deixa de mostrar o gol de Adriano para não perder o furo nem a audiência.
Na concorrente, uma novela de enredo altamente improvável transforma praticamente todo o elenco em seres mutantes, frutos de uma experiência científica. Quanto mais o telespectador vibra, mais loucamente a história se ajusta a ele.
Com mais de 40 anos, a gigante Globo ainda vence com folga nas pesquisas de audiência, embora tenha caído 20% desde 2004 (entre 18h e meia-noite, na média nacional, segundo dados do Ibope).
A Record, ao contrário, cresceu no mesmo período quase 150% na audiência nacional, tomou o segundo lugar do SBT no ano passado e, sob o comando do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, investiu nos últimos três anos R$ 300 milhões em equipamentos, instalações e gente. Propõe-se a ficar grande como a outra.
A Folha esteve por um dia nas megainstalações de ambas, que ficam próximas, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, para observar como é a guerra de audiência por dentro da indústria que a produz.
O centro de produção da Globo chama-se Projac (Projeto Jacarepaguá), tem 1,65 milhão de m2 e 6.000 funcionários. O da Record chama-se RecNov (Record Novelas), tem 200 mil m2 e 2.000 funcionários -e já chegou a ser apelidado pejorativamente de "projeca".

Diferenças
As visitas diferem já na recepção. A Globo escolhe o que mostrará à reportagem e coloca uma assessora para acompanhar os visitantes.
"Eu não falo pela emissora. Nada do que eu digo pode sair na minha boca, é só para facilitar o seu trabalho", avisa a moça, ao volante de um dos 121 carrinhos elétricos usados para o transporte nas ruas do Projac.
A assessora explica que os funcionários de infra-estrutura são orientados a não abordar os artistas na praça de alimentação. "Isso é uma indústria, como uma fábrica de chocolates ou automóveis. Eles estão produzindo, não são personagens", diz ela, a caminho da cidade cenográfica de "Duas Caras", que reproduz uma favela real. O carrinho cruza com outro, que leva Lima Duarte (o prefeito Viriato de "Desejo Proibido") paramentado com costume e chapéu. A cena remete a algum parque temático da Disney.
Mais tarde, o diretor de infra-estrutura, Mauro Franco Wanderley, autorizado a conversar, fala com a reportagem em "conference call" (viva voz), monitorado pela assessora.
Ele diz que o rigor no protocolo com os visitantes é uma forma de "preservar a magia" das produções.
A Record ainda não está podendo dispensar publicidade. Então, deixa-se vasculhar despudoradamente, atende a todas as curiosidades da reportagem e se faz representar pelo diretor de teledramaturgia, Hiran Silveira, que pode revelar o nome.
Silveira conduz a reportagem por todos os estúdios da emissora, a partir da sala dele. O que impressiona ali não são tanto as dimensões, que atingem 12,1% da área da Globo, mas a rápida multiplicação das instalações.
"Quando cheguei aqui, no dia 1º de maio de 2005, havia apenas uns poucos empregados do Renato Aragão [antigo proprietário do estúdio, que se chamava RA]. Se eu embolasse um papel, tinha de colocá-lo no bolso, porque não havia lata de lixo", conta o diretor. "Aumentamos nossa capacidade em cinco estúdios de 1.000 m2."
A conversa de Silveira é, digamos, improvisada, "naturalista", para usar o jargão televisivo. Ele até tem um vídeo preparado sobre a emissora, com uma música espetaculosa de pano de fundo, mas fica claro que o passeio pelas dependências do RecNov não foi ensaiado nem segue um roteiro.
O grupo entra em salas de edição, sonoplastia, efeitos especiais, às vezes erra a porta, mas Silveira segue empolgado explicando tintim por tintim o quanto custou e para que servem os equipamentos. "Aquela máquina custa US$ 1 milhão", afirma, apontando para uma estrutura mais alta que uma geladeira dupla, prateada, cheia de luzinhas.

Plantas duplicadas
Na Globo, Mauro Wanderley parece ter o pacote de números pronto. Ele solta o cartucho e fala das incríveis instalações do Projac: os dez estúdios, a fábrica de cenários, o acervo de figurinos com 86 mil peças, a florália onde se criam plantas duplicadas, para revezá-las em cena (enquanto uma toma sol, a outra está sob os holofotes).
Conta que, na hipótese de usar toda a potência instalada da emissora, gastaria o suficiente para abastecer uma cidade de 70 mil habitantes.
Nesse momento, para atenuar a explanação, ele fala sobre a preocupação constante da emissora com o ambiente. "A primeira providência do doutor Roberto [Marinho] ao construir o Projac foi contratar uma empresa para reflorestar a área. Plantaram 40 mil mudas de espécies da Mata Atlântica."
À saída, a reportagem passa pela gravação externa de uma cena com Alinne Moraes para "Duas Caras". Alguém chama o diretor Pedro Carvana e surge o primeiro ponto comum às duas emissoras: os herdeiros de sobrenomes famosos. Eles são Avancinis, Saracenis, Farias, Bourys, Mambertis... Todos a serviço da arte e, é claro, da frenética produção numérica.


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