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Record amplia estúdios para ser sombra da Globo
Audiência e dimensões ainda são bem menores do que as da líder, mas instalações vêm se multiplicando com rapidez
No Projac, funcionários são orientados a não abordar artistas; no RecNov, diretor se empolga com novidades e até erra de porta em visita
PAULO SAMPAIO
DA SUCURSAL DO RIO
Desde que a televisão brasileira submeteu sua programação aos números, não se via
uma disputa tão desatinada.
Em uma emissora, o "caso Isabella" invade o campo de futebol em pleno jogo São Paulo x
Nacional do Uruguai, interrompe a transmissão mais popular do Brasil e deixa de mostrar o gol de Adriano para não
perder o furo nem a audiência.
Na concorrente, uma novela
de enredo altamente improvável transforma praticamente
todo o elenco em seres mutantes, frutos de uma experiência
científica. Quanto mais o telespectador vibra, mais loucamente a história se ajusta a ele.
Com mais de 40 anos, a gigante Globo ainda vence com
folga nas pesquisas de audiência, embora tenha caído 20%
desde 2004 (entre 18h e meia-noite, na média nacional, segundo dados do Ibope).
A Record, ao contrário, cresceu no mesmo período quase
150% na audiência nacional, tomou o segundo lugar do SBT no
ano passado e, sob o comando
do bispo Edir Macedo, da Igreja
Universal do Reino de Deus, investiu nos últimos três anos R$
300 milhões em equipamentos,
instalações e gente. Propõe-se a
ficar grande como a outra.
A Folha esteve por um dia
nas megainstalações de ambas,
que ficam próximas, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, para observar como é a guerra de
audiência por dentro da indústria que a produz.
O centro de produção da Globo chama-se Projac (Projeto
Jacarepaguá), tem 1,65 milhão
de m2 e 6.000 funcionários. O
da Record chama-se RecNov
(Record Novelas), tem 200 mil
m2 e 2.000 funcionários -e já
chegou a ser apelidado pejorativamente de "projeca".
Diferenças
As visitas diferem já na recepção. A Globo escolhe o que
mostrará à reportagem e coloca
uma assessora para acompanhar os visitantes.
"Eu não falo pela emissora.
Nada do que eu digo pode sair
na minha boca, é só para facilitar o seu trabalho", avisa a moça, ao volante de um dos 121
carrinhos elétricos usados para
o transporte nas ruas do Projac.
A assessora explica que os
funcionários de infra-estrutura
são orientados a não abordar os
artistas na praça de alimentação. "Isso é uma indústria, como uma fábrica de chocolates
ou automóveis. Eles estão produzindo, não são personagens",
diz ela, a caminho da cidade cenográfica de "Duas Caras", que
reproduz uma favela real. O
carrinho cruza com outro, que
leva Lima Duarte (o prefeito
Viriato de "Desejo Proibido")
paramentado com costume e
chapéu. A cena remete a algum
parque temático da Disney.
Mais tarde, o diretor de infra-estrutura, Mauro Franco Wanderley, autorizado a conversar,
fala com a reportagem em
"conference call" (viva voz),
monitorado pela assessora.
Ele diz que o rigor no protocolo com os visitantes é uma
forma de "preservar a magia"
das produções.
A Record ainda não está podendo dispensar publicidade.
Então, deixa-se vasculhar despudoradamente, atende a todas
as curiosidades da reportagem
e se faz representar pelo diretor
de teledramaturgia, Hiran Silveira, que pode revelar o nome.
Silveira conduz a reportagem
por todos os estúdios da emissora, a partir da sala dele. O que
impressiona ali não são tanto as
dimensões, que atingem 12,1%
da área da Globo, mas a rápida
multiplicação das instalações.
"Quando cheguei aqui, no dia
1º de maio de 2005, havia apenas uns poucos empregados do
Renato Aragão [antigo proprietário do estúdio, que se chamava RA]. Se eu embolasse um papel, tinha de colocá-lo no bolso,
porque não havia lata de lixo",
conta o diretor. "Aumentamos
nossa capacidade em cinco estúdios de 1.000 m2."
A conversa de Silveira é, digamos, improvisada, "naturalista", para usar o jargão televisivo. Ele até tem um vídeo preparado sobre a emissora, com
uma música espetaculosa de
pano de fundo, mas fica claro
que o passeio pelas dependências do RecNov não foi ensaiado nem segue um roteiro.
O grupo entra em salas de
edição, sonoplastia, efeitos especiais, às vezes erra a porta,
mas Silveira segue empolgado
explicando tintim por tintim o
quanto custou e para que servem os equipamentos. "Aquela
máquina custa US$ 1 milhão",
afirma, apontando para uma
estrutura mais alta que uma
geladeira dupla, prateada,
cheia de luzinhas.
Plantas duplicadas
Na Globo, Mauro Wanderley
parece ter o pacote de números
pronto. Ele solta o cartucho e
fala das incríveis instalações do
Projac: os dez estúdios, a fábrica de cenários, o acervo de figurinos com 86 mil peças, a florália onde se criam plantas duplicadas, para revezá-las em cena
(enquanto uma toma sol, a outra está sob os holofotes).
Conta que, na hipótese de
usar toda a potência instalada
da emissora, gastaria o suficiente para abastecer uma cidade de 70 mil habitantes.
Nesse momento, para atenuar a explanação, ele fala sobre a preocupação constante da
emissora com o ambiente. "A
primeira providência do doutor Roberto [Marinho] ao construir o Projac foi contratar uma
empresa para reflorestar a
área. Plantaram 40 mil mudas
de espécies da Mata Atlântica."
À saída, a reportagem passa
pela gravação externa de uma
cena com Alinne Moraes para
"Duas Caras". Alguém chama o
diretor Pedro Carvana e surge o
primeiro ponto comum às duas
emissoras: os herdeiros de sobrenomes famosos. Eles são
Avancinis, Saracenis, Farias,
Bourys, Mambertis... Todos a
serviço da arte e, é claro, da frenética produção numérica.
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