São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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61º FESTIVAL DE CANNES

Personagem sem nome foi desafiador, diz Moore

Atriz conta ter achado difícil "encontrar vida no mundo sem passado" do filme de Meirelles

Em Cannes, a protagonista de "Ensaio sobre a Cegueira" afirma que "conseguir papéis bons é difícil" mesmo para atores experientes


Anne-Christine Poujoulat/ France Presse
A americana Julianne Moore na cerimônia de abertura do Festival de Cannes, na última quarta-feira

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Em "Ensaio sobre a Cegueira", o filme do diretor brasileiro Fernando Meirelles que abriu o 61º Festival de Cannes, na última quarta, a atriz americana Julianne Moore faz o papel da única na história a enxergar.
A performance de Moore como a mulher do médico (os personagens não têm nome no livro de José Saramago e assim ficaram na versão cinematográfica) foi elogiada até por críticos que desgostaram do filme. Moore, no entanto, não fez pose de estrela em Cannes. A uma sala lotada de jornalistas, no dia da exibição do longa, ela não escondeu a expectativa que teve pelo papel: "Quando meu agente me ligou, três meses antes de o filme começar a ser feito, dizendo que havia a chance de eu receber um convite de Fernando Meirelles, falei: "Nem brinca com isso!'".
À Folha e a outros sete jornalistas internacionais com quem se encontrou no hotel Martinez, no dia seguinte à estréia, Moore justificou seu entusiasmo. "Não importa com que idade você esteja, em que ponto da carreira, se é homem ou mulher. Conseguir papéis bons é sempre difícil. E você tem pouco controle sobre isso."
Aos 47, ela acumula quatro indicações ao Oscar e uma galeria de personagens marcantes em filmes como "Tio Vânia em Nova York" (Louis Malle, 1995), "Magnólia" (Paul Thomas Anderson, 1999), "Fim de Caso" (Neil Jordan, 1999) e "Longe do Paraíso" (Todd Haynes, 2002).
Quando um jornalista inglês disse que ela é uma das melhores atrizes da atualidade, além de símbolo sexual, Moore corou, depois sorriu, agradeceu e brincou. "Por que só nos deram meia hora de entrevista? Vamos esticar a conversa." Mais trechos da entrevista, a seguir.

 


FILHOS
Os filhos nunca são como você imagina. E isso é uma grande lição. Temos a tendência de definir tudo pelo que vemos ou pelo que pensamos estar vendo. Fazemos uma imagem dos filhos e, quando eles nascem, é uma surpresa: "Oh, é você!". Com a diferença, você vê que eles são totalmente independentes de você. Minha filha nasceu com cabelos pretos, um topete, e era enorme. Pensei: "De quem é esse bebê?" Você tem esse momento de ajuste, de ver que as coisas não são como você pensava que seriam.

TRABALHO E FAMÍLIA
Tenho um trabalho de sorte. Terminei de filmar "Ensaio sobre a Cegueira" em setembro [de 2007] e não voltei a trabalhar antes de março. Isso é ótimo também no aspecto familiar. Meus filhos [uma menina e um garoto] adoraram "Ensaio sobre a Cegueira". Eles foram comigo para as filmagens no Canadá. Tínhamos uma piscina e um jardim. Todos os dias eles iam para as filmagens e jogavam futebol com o Quico, filho do Fernando [Meirelles].

IDADE
Quanto mais você envelhece, mais você gosta da vida.

BONS PAPÉIS
Não importa com que idade você esteja, em que ponto de sua carreira, se você é homem ou mulher. Conseguir papéis bons é sempre difícil. E você tem pouco controle sobre isso.

PERSONAGEM SEM NOME
Foi interessante para mim e duro para todos encontrar um caminho para essa convenção [do filme] de não ter nomes. Foi difícil. Nós nos demos conta de quão forte é a identificação que temos com os nossos próprios nomes. Mas essa era a convenção do filme. Tínhamos que trabalhar com esses parâmetros. Nunca pensei num nome para ela. Foi muito, muito desafiador. O desafio era encontrar uma vida naquele mundo, sem ter nome nem passado. Como você constrói uma vida assim?

CHORO NO FILME
O choro é uma dessas coisas virtuais, que você não faz. Você sempre tenta não chorar. A última coisa que você quer é fazer você mesma chorar. Vou contar que não é nada fácil chorar atuando com um cachorro [numa cena do filme, o Cão das Lágrimas lambe o rosto de Julianne quando ela chora].

CENA DE ASSASSINATO
Acho muito trágico quando ela mata. Ela fica muito emocionada depois do ato, pensando como é horrível tirar a vida de alguém. Você vê muitos filmes em que isso é feito de forma muito fácil. Uma das coisas que me perguntaram muito é por que ela não faz isso mais cedo no filme. Achei isso interessante, porque me pareceu uma convenção do cinema. Alguém vê algo errado, vai direto na pessoa que está errada e mata. Quando ela mata, o marido diz: "Você criou outro problema. Você começou uma guerra". Ela vê o problema. Não foi um ato bobo. E ela não tem uma visão heróica a respeito de tirar a vida de alguém, em qualquer circunstância. Isso é algo profunda e terrivelmente emocionante. Gosto do fato de o filme caminhar nesse sentido.

CABELOS LOUROS
Ninguém gostou dos meus cabelos louros. Nem eu. Decidi pintar para surpreender o Fernando [Meirelles]. Achei que ser ruiva deixaria a personagem diferente de todos. Queria que ela fosse mais normal.

CINEMA COMERCIAL
Acho divertido fazer todos os gêneros de filmes. Fazer um filme como o "Ensaio sobre a Cegueira" e também um filme bem comercial, um de ação, um thriller, um drama. Eu me interesso por histórias, tanto histórias de arte quanto histórias comerciais.

ELEIÇÕES AMERICANAS
Eu não detesto [o candidato republicano] John McCain. Nunca o encontrei. Mas ele é extremamente conservador. Ele é antiaborto; quer nos manter no Iraque pelos próximos, sei lá, cem anos. Não sou fã desse tipo de políticos. Meu voto é de [Barack] Obama. Honestamente, eu acho que ele é alguém que de fato pode mudar os Estados Unidos.


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