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Crítica/"Sempre Bela"
Oliveira encontra Buñuel em longa audacioso
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O pervertido sr. Husson
foi, na obra-prima de
Buñuel, "A Bela da
Tarde", o motivo de maior tensão: além de surpreender Bela
no bordel onde passava as tardes, era amigo do marido dela.
Apesar disso, nunca resolveu
o enigma que ela carregava: como uma mulher que ama profundamente o marido pode se
entregar a qualquer um?
Husson perde Bela de vista.
Aliás, nós perdemos ambos de
vista, quando termina o filme,
para reencontrá-los hoje em
"Sempre Bela" (ou antes, em
2006, quando foi feito).
É saindo de um concerto que
Husson entrevê Bela, enquanto
nós o vemos. Não é o mesmo
homem: seu tempo é o passado.
E o tempo de Bela? É Bela
sempre, nos diz Manoel de Oliveira, autor dessa audácia que
consiste em trazer os dois personagens à tela outra vez cerca
de 40 anos depois.
Há uma espécie de eternidade em torno da personagem,
que vem de seu mistério. Husson insiste, quer conversar. O
passado o obceca.
Não a ela. Existe em Bela
uma integridade no mistério.
Sabemos que, nesse intervalo,
ela se tornou muito rica. Não é
muito. Continua esquiva: é sua
marca. Bela não se explica, não
se justifica, nada. Talvez viesse
daí uma parte de seu imenso
poder de sedução.
Esse notável reencontro com
a "Bela da Tarde" que nos proporciona Oliveira tem um ponto problemático: Catherine Deneuve não quis reviver aquele
que foi provavelmente o mais
marcante papel de sua vida.
E Bela não pode ser Bulle,
por mais esforço que ela faça.
Ela, Bulle Ogier, a atriz que
substitui Deneuve no papel.
É um rombo considerável no
filme, que a presença de Michel
Piccoli como Husson, retomando o papel original, não sei
se mitiga ou se agrava.
Ao vê-lo, ao perceber a magnífica continuidade que existe
entre o personagem do filme
original e o de agora é que sentimos com mais intensidade a
ausência de Deneuve.
Ainda assim, a ideia original
(e as ideias conexas) fazem experiência valer a pena.
SEMPRE BELA
Direção: Manoel de Oliveira
Produção: Portugal/França, 2006
Com: Michel Piccoli, Bulle Ogier e
Ricardo Trepa
Onde: no Cinesesc
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom
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