São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2010

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Crítica/"Sempre Bela"

Oliveira encontra Buñuel em longa audacioso

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O pervertido sr. Husson foi, na obra-prima de Buñuel, "A Bela da Tarde", o motivo de maior tensão: além de surpreender Bela no bordel onde passava as tardes, era amigo do marido dela. Apesar disso, nunca resolveu o enigma que ela carregava: como uma mulher que ama profundamente o marido pode se entregar a qualquer um?
Husson perde Bela de vista. Aliás, nós perdemos ambos de vista, quando termina o filme, para reencontrá-los hoje em "Sempre Bela" (ou antes, em 2006, quando foi feito).
É saindo de um concerto que Husson entrevê Bela, enquanto nós o vemos. Não é o mesmo homem: seu tempo é o passado.
E o tempo de Bela? É Bela sempre, nos diz Manoel de Oliveira, autor dessa audácia que consiste em trazer os dois personagens à tela outra vez cerca de 40 anos depois.
Há uma espécie de eternidade em torno da personagem, que vem de seu mistério. Husson insiste, quer conversar. O passado o obceca. Não a ela. Existe em Bela uma integridade no mistério.
Sabemos que, nesse intervalo, ela se tornou muito rica. Não é muito. Continua esquiva: é sua marca. Bela não se explica, não se justifica, nada. Talvez viesse daí uma parte de seu imenso poder de sedução.
Esse notável reencontro com a "Bela da Tarde" que nos proporciona Oliveira tem um ponto problemático: Catherine Deneuve não quis reviver aquele que foi provavelmente o mais marcante papel de sua vida. E Bela não pode ser Bulle, por mais esforço que ela faça.
Ela, Bulle Ogier, a atriz que substitui Deneuve no papel. É um rombo considerável no filme, que a presença de Michel Piccoli como Husson, retomando o papel original, não sei se mitiga ou se agrava.
Ao vê-lo, ao perceber a magnífica continuidade que existe entre o personagem do filme original e o de agora é que sentimos com mais intensidade a ausência de Deneuve. Ainda assim, a ideia original (e as ideias conexas) fazem experiência valer a pena.


SEMPRE BELA

Direção: Manoel de Oliveira
Produção: Portugal/França, 2006
Com: Michel Piccoli, Bulle Ogier e Ricardo Trepa
Onde: no Cinesesc
Classificação: 14 anos
Avaliação: bom




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