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CRÍTICA
Livro vai do épico ao realismo fantástico
ESPECIAL PARA A FOLHA
O francês da Guiana Clément Tamba, francês que
nunca conheceu Paris, parece estar nos seus últimos dias. Narra
para a mulher, Lucy, a história de
sua vida. Por vezes, os fantasmas
de seu melhor amigo, Cleto Bonfim, e da fábrica de desejos, Saraminda, aparecem à sua frente.
Sexo, ambição, guerra, fidelidade e loucura são os temas que movimentam o autor, num romance
que balança entre o épico, o realismo fantástico e uma história de
amor. Mas, se há um personagem
a ser eleito como principal, nem o
autor esconde. Ele não é gente,
tem um brilho amarelado e geralmente aparece em pó. É o ouro. E,
se o ouro é personagem, ele contrai caráter, virtudes e defeitos.
O ouro alimentou a amizade entre Tamba e Bonfim. Foi com o
ouro que Bonfim comprou a
prostituta declaradamente virgem, Saraminda, em um leilão no
Café Tour d'Argent.
Aliás, foi Saraminda quem disse, antes do primeiro lance, que já
tinha um dono, e ele era Bonfim.
Saraminda escolheu o seu dono.
Saraminda era o ouro?
O cenário do romance é a floresta e uma Caiena tropical, crioula e
decadente, habitada por aventureiros, piratas, novos-ricos, degenerados e prostitutas. A descoberta do ouro no vale do rio Calçone,
uma terra de ninguém, produz a
corrida para a região.
O ouro não é apenas sujeito das
loucuras de cada personagem. É,
antes de tudo, a pólvora que
transforma os indivíduos. O ouro
explica as decisões, justifica a partida, compra pessoas, é a cenoura
que faz a mula andar.
Nesse cenário, homens compram mulheres, levam-nas para o
garimpo, não se prendem a ninguém, até aparecer Saraminda,
que pouco a pouco seduz o poderoso Bonfim, que poderia ter a
mulher que sonhasse, com todas
as táticas cruéis do encanto.
Saraminda teve Bonfim do jeito
que quis, escravizou-o, andou
nua pela casa, obrigou-o a comprar os mais impossíveis mimos,
como um vestido de noiva, no garimpo. E Saraminda teve o amigo
Tamba. Ela teve quem quis, quando sentiu vontade.
As surpresas são as armas preferidas de um bom escritor, que
constrói uma narrativa para jogar
com o leitor, fazendo-o acreditar
que é ele o dono da história. A surpresa é o elemento chave para a
construção da dubiedade de Saraminda. No começo do livro, a narrativa faz acreditar que Saraminda era uma virgem prostituta.
Mas o castelo de cartas desaba,
quando Saraminda narra:
"Enganei Cleto Bonfim. Eu não
era virgem. Tive sete homens de
xodó e sete vezes voltei a ser virgem como tinha nascido... Gostei
de Bonfim porque ele me deu valor, ele deu por mim dez quilos de
ouro, e os homens só queriam me
dar em Caiena cinco francos."
Este depoimento aparece no
meio do livro, desconstruindo o
que foi antes "dito", invertendo os
papéis dos personagens.
Saraminda era uma sem-vergonha que abriu o coração duro de
Bonfim, mas que tinha nojo dele,
escondia-se nas madrugadas,
queria apenas o seu ouro e a liberdade que ele compra. É um duro
golpe para o leitor, que foi movido pela crença de que sobreviveria o amor.
"No garimpo, a gente aprende a
sentir as mensagens e o desejo do
ouro. Tudo tem sentido. Quando
se contraria a vontade do ouro, ele
foge e acaba." Parece ironia que
isso tenha sido escrito por um dos
homens mais ricos do Maranhão.
Sarney e Tamba fazem um balanço de suas vidas.
Num acerto de contas pessoal,
parece que o autor procura explicar o caráter brasileiro, digo, dos
donos do Brasil, formado pela
fortuna fácil e pela casualidade do
ouro brotando em margens. Mas
há uma suspeita universal. Somente o ouro dá sentido à vida?
Saraminda
Autor: José Sarney
Editora: Editora Siciliano
Quanto: R$ 25 (256 págs.)
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