São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2000


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CRÍTICA
Livro vai do épico ao realismo fantástico

ESPECIAL PARA A FOLHA

O francês da Guiana Clément Tamba, francês que nunca conheceu Paris, parece estar nos seus últimos dias. Narra para a mulher, Lucy, a história de sua vida. Por vezes, os fantasmas de seu melhor amigo, Cleto Bonfim, e da fábrica de desejos, Saraminda, aparecem à sua frente.
Sexo, ambição, guerra, fidelidade e loucura são os temas que movimentam o autor, num romance que balança entre o épico, o realismo fantástico e uma história de amor. Mas, se há um personagem a ser eleito como principal, nem o autor esconde. Ele não é gente, tem um brilho amarelado e geralmente aparece em pó. É o ouro. E, se o ouro é personagem, ele contrai caráter, virtudes e defeitos.
O ouro alimentou a amizade entre Tamba e Bonfim. Foi com o ouro que Bonfim comprou a prostituta declaradamente virgem, Saraminda, em um leilão no Café Tour d'Argent.
Aliás, foi Saraminda quem disse, antes do primeiro lance, que já tinha um dono, e ele era Bonfim. Saraminda escolheu o seu dono. Saraminda era o ouro?
O cenário do romance é a floresta e uma Caiena tropical, crioula e decadente, habitada por aventureiros, piratas, novos-ricos, degenerados e prostitutas. A descoberta do ouro no vale do rio Calçone, uma terra de ninguém, produz a corrida para a região.
O ouro não é apenas sujeito das loucuras de cada personagem. É, antes de tudo, a pólvora que transforma os indivíduos. O ouro explica as decisões, justifica a partida, compra pessoas, é a cenoura que faz a mula andar.
Nesse cenário, homens compram mulheres, levam-nas para o garimpo, não se prendem a ninguém, até aparecer Saraminda, que pouco a pouco seduz o poderoso Bonfim, que poderia ter a mulher que sonhasse, com todas as táticas cruéis do encanto.
Saraminda teve Bonfim do jeito que quis, escravizou-o, andou nua pela casa, obrigou-o a comprar os mais impossíveis mimos, como um vestido de noiva, no garimpo. E Saraminda teve o amigo Tamba. Ela teve quem quis, quando sentiu vontade.
As surpresas são as armas preferidas de um bom escritor, que constrói uma narrativa para jogar com o leitor, fazendo-o acreditar que é ele o dono da história. A surpresa é o elemento chave para a construção da dubiedade de Saraminda. No começo do livro, a narrativa faz acreditar que Saraminda era uma virgem prostituta. Mas o castelo de cartas desaba, quando Saraminda narra:
"Enganei Cleto Bonfim. Eu não era virgem. Tive sete homens de xodó e sete vezes voltei a ser virgem como tinha nascido... Gostei de Bonfim porque ele me deu valor, ele deu por mim dez quilos de ouro, e os homens só queriam me dar em Caiena cinco francos."
Este depoimento aparece no meio do livro, desconstruindo o que foi antes "dito", invertendo os papéis dos personagens.
Saraminda era uma sem-vergonha que abriu o coração duro de Bonfim, mas que tinha nojo dele, escondia-se nas madrugadas, queria apenas o seu ouro e a liberdade que ele compra. É um duro golpe para o leitor, que foi movido pela crença de que sobreviveria o amor.
"No garimpo, a gente aprende a sentir as mensagens e o desejo do ouro. Tudo tem sentido. Quando se contraria a vontade do ouro, ele foge e acaba." Parece ironia que isso tenha sido escrito por um dos homens mais ricos do Maranhão. Sarney e Tamba fazem um balanço de suas vidas.
Num acerto de contas pessoal, parece que o autor procura explicar o caráter brasileiro, digo, dos donos do Brasil, formado pela fortuna fácil e pela casualidade do ouro brotando em margens. Mas há uma suspeita universal. Somente o ouro dá sentido à vida?


Saraminda
     Autor: José Sarney Editora: Editora Siciliano Quanto: R$ 25 (256 págs.)




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