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CINEMA
Roteirista recorda a face suave de Stanley Kubrick
AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Stanley Kubrick (1928-1999)
não pára de crescer desde que
morreu, há um ano e meio, às vésperas de entregar "De Olhos Bem
Fechados", recém-lançado em vídeo no Brasil.
Steven Spielberg dedica-se a
concretizar o último projeto kubrickiano, "A.I." (sigla inglesa para Inteligência Artificial), uma
versão cibernética de Pinóquio
baseada num conto de Brian Aldiss. Os estúdios Warner preparam para o próximo ano o documentário oficial sobre o cineasta.
A bibliografia sobre Kubrick aumenta mês a mês, e a última adição de maior relevância é o conciso "Kubrick", de Michael Herr
(Grove Press, 98 págs, US$ 18,95).
O breve volume reúne dois textos publicados originalmente pela
revista mensal "Vanity Fair".
Herr revela no final do texto que a
idéia original foi do próprio Kubrick, de quem era amigo havia
duas décadas e para quem escreveu o roteiro de "Nascido para
Matar" (1987). Meses antes de
morrer, Kubrick convidara Herr
para escrever um artigo "exclusivo" sobre "De Olhos Bem Fechados", mas o cineasta morreu antes. A reportagem de apresentação de seu último filme foi substituída por dois carinhosos ensaios
memorialísticos.
O livro de Michael Herr é uma
resposta direta ao de Frederic Raphael ("De Olhos Bem Abertos",
Geração Editorial, 1999), o colaborador de Kubrick na roteirização de "De Olhos Bem Fechados".
Em seu posfácio, Herr alveja explicitamente Raphael, condenando-o pelo tom de infinita superioridade que assumiu frente ao cineasta: "Lemos sobre o Stanley tirano, o perfeccionista obsessivo, o
frio Stanley, o Stanley secreto, o
não-cooperativo, e um novo Stanley, o judeu que se odeia como
tal", reclama.
Herr dedica seu livro fundamentalmente a recuperar a imagem de Kubrick e, ao fim, a defender "De Olhos Bem Fechados" de
seus críticos.
Sobre Raphael, Herr teve a vantagem de ter desenvolvido uma
relação não meramente profissional com o cineasta. Enquanto "De
Olhos Bem Abertos" nos traz Kubrick sob a lente de um pontual
colaborador, "Kubrick" explora a
proximidade maior dos que
transcenderam os contatos ditados pelos deveres do ofício. São
narrativas algo complementares,
francamente antagônicas, igualmente obrigatórias.
Vários achados sobre o Kubrick
de carne e osso enriquecem o livro de Herr. Kubrick não trocou
em 1968 os EUA pela Inglaterra
num auto-exílio voluntário de um
misantropo que odiava Hollywood e a civilização do entretenimento em que se tornara seu país
natal. O diretor de "Doutor Fantástico", na verdade, encontrou
nos subúrbios de Londres apenas
o lugar mais à mão para estabelecer seu quartel-general, de onde
pouco saía, mas onde seria muito
mais gregário do que afirmam
aqueles que não o conheceram.
"Kubrickland" desenvolveu-se
ali como poderia ter se estabelecido perto de Nova York, numa
praia da Jamaica ou no coração de
Hong Kong. O importante era ter
à mão um telefone sempre funcional, computadores de última
geração, livros e periódicos. Não
me surpreenderia se descobrissem que a invenção da Internet
tem algum elo com as infindáveis
pesquisas de Kubrick. "Ele tinha
mais compartimentos na cabeça
do que qualquer outra pessoa que
conheci", lembra Herr.
Ao contrário da lenda, Kubrick
jamais se desligou da cultura
americana. Acompanhava com
humor e curiosidade a ciranda de
poderosos em Hollywood e amava seriados da TV como "Os
Simpsons" e "Seinfeld". Considerava "O Poderoso Chefão" (1972),
de Francis Ford Coppola, provavelmente o maior filme de todos
os tempos e "por certo aquele
com melhor elenco".
Kubrick jamais foi um judeu
praticante, mas a cultura e a história judaicas sempre marcaram
suas reflexões. Sua saudável auto-ironia frente ao judaísmo, como a
de tantos intelectuais judeus de
origem, foi maldosamente interpretada por Raphael e é agora devidamente resgatada por Herr.
Ele lembra ter recebido do amigo, pouco depois de conhecê-lo,
um exemplar do clássico "The
Destruction of the European
Jews" (A Destruição dos Judeus
Europeus), de Raul Hilberg, um
presente no mínimo estranho caso Kubrick visse Hitler com alguma simpatia, como diz Raphael.
Herr nos convence de um Kubrick excêntrico, mas não insuportável, perfeccionista, mas respeitoso, solitário, mas não misantropo, sensível e generoso, mas a
seu próprio jeito. Reafirmam-se
não poucas qualidades do gigantesco cineasta, mas é o homem o
objeto central de seu livro. Raras
vezes esteve Kubrick de nós tão
próximo -embora tão longe.
Livro: Kubrick
Autor: Michael Herr
Editora: Grove Press
Quanto: US$ 18,95 (98 págs.)
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