São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 2000


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Filósofo critica o "partido" freudiano

DA REPORTAGEM LOCAL

O filósofo Adolf Grünbaum, um dos signatários mais ilustres do abaixo-assinado pedindo mudanças na exposição "Freud: Conflito & Cultura", afirmou à Folha que as modificações feitas na mostra "criaram algum equilíbrio, mas não tanto quanto os críticos teriam desejado".
Ele visitou a exposição em Washington logo depois da abertura, em outubro de 1998. Achou-a informativa. "Mas a narrativa que a acompanha seguia demais a "linha do partido'", disse, referindo-se às explicações sobre a obra freudiana fornecidas ao público pelos organizadores.
Grünbaum é presidente do Centro para a Filosofia da Ciência da Universidade de Pittsburgh (EUA) e autor de "The Foundations of Psychoanalysis", entre vários livros sobre o tema.
O documento enviado à Biblioteca do Congresso em 1995 solicitava que a exposição refletisse "todo o espectro de opinião informada sobre o status atual da contribuição de Freud para a história intelectual moderna". Ou seja, que contivesse a opinião de opositores ou críticos da obra freudiana.
O psicanalista Leopold Nosek, que também viu a exposição em Washington, considera que os signatários do documento exageraram ao acharem-na apologética. "Na verdade, é pedagógica, dirigida ao grande público", diz ele.
Na sua opinião, as disputas em torno da mostra apenas testemunham a força de ruptura que a psicanálise ainda tem. "Freud sempre despertou reações apaixonadas. É um radical, que dessacraliza tudo e implanta o conflito permanente em todas as coisas."
Em 1995, Elisabeth Roudinesco foi uma das pesquisadoras que saiu a campo para defender a exposição na imprensa mundial.
"A polêmica foi uma querela historiográfica. Certo número de historiadores do freudismo queria impedir que a exposição fosse realizada", conta Roudinesco.
"Critiquei aquele grupo porque ele conseguiu ameaçar a realização da mostra. Ninguém tem o direito de impedir algo porque não concorda com o seu conteúdo."
Para o psicanalista Renato Mezan, o barulho foi causado por um poderoso lobby antipsicanalítico. "Chegaram ao ridículo de sugerir que a exposição apresentasse críticas a Freud. Que tal uma exposição sobre os surrealistas que trouxesse as opiniões de Hitler sobre a arte degenerada como se fossem o avesso da mesma moeda?"
No furor das discussões, não apenas a imparcialidade da exposição foi debatida, mas também o futuro do freudismo.
Grünbaum observa que a psicanálise, como movimento, "está hoje em retirada" nos EUA e em uma série de países.
"Sua influência nos principais departamentos de psiquiatria nos EUA se reduziu tremendamente. E seu peso entre a população de pacientes que procuram ajuda psicológica também diminuiu ou enfrenta séria ameaça por parte de terapias rivais", ele avalia.
Para o psicanalista Contardo Calligaris, o declínio da prática da psicanálise nos EUA, nas últimas décadas, não significa que ela não tenha enorme presença na "ideologia cotidiana americana".
"A psicanálise segue sendo o parâmetro ideal de toda terapia psicodinâmica e, sobretudo, ela é uma espécie de modelo básico e implícito. O marketing, por exemplo, que deve enormemente à psicanálise, inclusive sua invenção, no pós-guerra, ainda pensa em termos psicanalíticos", diz.
Na opinião de Renato Mezan, os EUA foram o país que mais idealizou a psicanálise, promovendo-a como panacéia para todo tipo de sofrimento.
"Mas uma série de razões, entre as quais a ideologia da eficácia a qualquer custo e o avanço das neurociências, fez com que a maré virasse. E, com a mesma fúria protestante com a qual os EUA endeusaram a psicanálise, passaram a vilipendiá-la", observa.
Para Mezan, os fracassos e dúvidas de Freud deixaram de ser fatos normais no trabalho de um pesquisador e, na visão de seus opositores, viraram sinal de que sua invenção "era bobagem".
Ataques a Freud como "pseudocientista" são fáceis de explicar, segundo o psicanalista Jurandir Freire Costa. Eles têm a ver com os critérios que se adotam para dizer o que é ou não um saber válido ética ou culturalmente.
"E a psicanálise, de fato, não é nem nunca foi ciência", diz Freire Costa. "Isso não quer dizer que não seja um saber respeitável, com condições de ser utilizado com critérios seguros em benefício das pessoas."
"Quando alguém explicar em termos de campos magnéticos, interação enzimática e processos metabólicos porque achamos um quarteto de Schubert ou um aforismo de Nietzsche tão belos ou verdadeiros, do ponto de vista ético, nesse pretenso mundo, saberes como a psicanálise se tornarão dispensáveis." (ALN)


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