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Filósofo critica o "partido" freudiano
DA REPORTAGEM LOCAL
O filósofo Adolf Grünbaum,
um dos signatários mais ilustres
do abaixo-assinado pedindo mudanças na exposição "Freud:
Conflito & Cultura", afirmou à
Folha que as modificações feitas
na mostra "criaram algum equilíbrio, mas não tanto quanto os críticos teriam desejado".
Ele visitou a exposição em Washington logo depois da abertura,
em outubro de 1998. Achou-a informativa. "Mas a narrativa que a
acompanha seguia demais a "linha do partido'", disse, referindo-se às explicações sobre a obra
freudiana fornecidas ao público
pelos organizadores.
Grünbaum é presidente do
Centro para a Filosofia da Ciência
da Universidade de Pittsburgh
(EUA) e autor de "The Foundations of Psychoanalysis", entre vários livros sobre o tema.
O documento enviado à Biblioteca do Congresso em 1995 solicitava que a exposição refletisse "todo o espectro de opinião informada sobre o status atual da contribuição de Freud para a história intelectual moderna". Ou seja, que
contivesse a opinião de opositores
ou críticos da obra freudiana.
O psicanalista Leopold Nosek,
que também viu a exposição em
Washington, considera que os
signatários do documento exageraram ao acharem-na apologética. "Na verdade, é pedagógica, dirigida ao grande público", diz ele.
Na sua opinião, as disputas em
torno da mostra apenas testemunham a força de ruptura que a
psicanálise ainda tem. "Freud
sempre despertou reações apaixonadas. É um radical, que dessacraliza tudo e implanta o conflito
permanente em todas as coisas."
Em 1995, Elisabeth Roudinesco
foi uma das pesquisadoras que
saiu a campo para defender a exposição na imprensa mundial.
"A polêmica foi uma querela
historiográfica. Certo número de
historiadores do freudismo queria impedir que a exposição fosse
realizada", conta Roudinesco.
"Critiquei aquele grupo porque
ele conseguiu ameaçar a realização da mostra. Ninguém tem o direito de impedir algo porque não
concorda com o seu conteúdo."
Para o psicanalista Renato Mezan, o barulho foi causado por um
poderoso lobby antipsicanalítico.
"Chegaram ao ridículo de sugerir
que a exposição apresentasse críticas a Freud. Que tal uma exposição sobre os surrealistas que trouxesse as opiniões de Hitler sobre a
arte degenerada como se fossem o
avesso da mesma moeda?"
No furor das discussões, não
apenas a imparcialidade da exposição foi debatida, mas também o
futuro do freudismo.
Grünbaum observa que a psicanálise, como movimento, "está
hoje em retirada" nos EUA e em
uma série de países.
"Sua influência nos principais
departamentos de psiquiatria nos
EUA se reduziu tremendamente.
E seu peso entre a população de
pacientes que procuram ajuda
psicológica também diminuiu ou
enfrenta séria ameaça por parte
de terapias rivais", ele avalia.
Para o psicanalista Contardo
Calligaris, o declínio da prática da
psicanálise nos EUA, nas últimas
décadas, não significa que ela não
tenha enorme presença na "ideologia cotidiana americana".
"A psicanálise segue sendo o parâmetro ideal de toda terapia psicodinâmica e, sobretudo, ela é
uma espécie de modelo básico e
implícito. O marketing, por
exemplo, que deve enormemente
à psicanálise, inclusive sua invenção, no pós-guerra, ainda pensa
em termos psicanalíticos", diz.
Na opinião de Renato Mezan, os
EUA foram o país que mais idealizou a psicanálise, promovendo-a
como panacéia para todo tipo de
sofrimento.
"Mas uma série de razões, entre
as quais a ideologia da eficácia a
qualquer custo e o avanço das
neurociências, fez com que a maré virasse. E, com a mesma fúria
protestante com a qual os EUA
endeusaram a psicanálise, passaram a vilipendiá-la", observa.
Para Mezan, os fracassos e dúvidas de Freud deixaram de ser fatos normais no trabalho de um
pesquisador e, na visão de seus
opositores, viraram sinal de que
sua invenção "era bobagem".
Ataques a Freud como "pseudocientista" são fáceis de explicar,
segundo o psicanalista Jurandir
Freire Costa. Eles têm a ver com
os critérios que se adotam para dizer o que é ou não um saber válido
ética ou culturalmente.
"E a psicanálise, de fato, não é
nem nunca foi ciência", diz Freire
Costa. "Isso não quer dizer que
não seja um saber respeitável,
com condições de ser utilizado
com critérios seguros em benefício das pessoas."
"Quando alguém explicar em
termos de campos magnéticos,
interação enzimática e processos
metabólicos porque achamos um
quarteto de Schubert ou um aforismo de Nietzsche tão belos ou
verdadeiros, do ponto de vista ético, nesse pretenso mundo, saberes como a psicanálise se tornarão
dispensáveis."
(ALN)
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